Rogério Distéfano
OS SOLIDÁRIOS E OS EGOÍSTAS
“Existem dois tipos de pessoas: as que devolvem ao lugar o carrinho do supermercado e as que não devolvem, deixam solto, até no meio do estacionamento”. Estendi um pouco a frase em nome da clareza. É a mais recente imagem que, nos EUA, os eleitores de Hillary Clinton criaram para estabelecer sua diferença com os eleitores de Donald Trump, que venceu a disputa pela presidência entre os dois candidatos.
A comparação é algo arbitrária, pois no Brasil, por exemplo, retornar os carrinhos tiraria emprego de trabalhadores que ganham para recolhê-los. Assim, o obcecado pela reacomodação do carrinho seria como o fanático pela automação, que ao fim e ao cabo leva à extinção de empregos. A comparação dos norte-americanos vale por aquilo que podemos extrair: a empatia – os eleitores de Hillary são solidários e os de Trump, egoístas.
Faz sentido, como se viu no principal tema das eleições, que prossegue no governo Trump: o fim do Obamacare, o programa de atendimento médico-hospitalar de espectro amplo, marca indelével do governo Barack Obama. Trump elegeu-se com a promessa de acabar com o programa, que faz vibrar o imaginário de seus eleitores, que acham que a saúde não deve ser provida pelo Estado e do empresariado que quer manter a saúde como um negócio lucrativo e sujeito às leis do mercado.
Os eleitores democratas, assim, seriam os que devolvem os carrinhos ao lugar nos supermercados. Os republicanos deixam-nos soltos, prejudicando o tráfego e arranhando veículos. Em vão tentei extrair do comportamento dos curitibanos um diferencial como o de democratas e republicanos. Por exemplo, os que cumprimentam vizinhos no elevador e os que não cumprimentam. Não funciona, ninguém cumprimenta, tal intimidade, em Curitiba, provoca problemas.
Nessas horas de dúvida filosófica recorro à memória afetiva, as histórias de São João do Triunfo. Tinha lá o carroceiro unha-de-fome, desagradável, bem-de-vida, que não dava carona para ninguém, seja em dia de frio, seja de chuva. De tanto ouvir queixa no confessionário o padre ralhou com ele. A resposta: “Sabe de uma coisa? Eu e meu cavalo comendo bem, o resto que vá à puta-que-pariu”. Foi meu primeiro republicano.