Da coluna de Ricardo Boechat, na revista IstoÉ
Na mesma temporada que comunicou aos contribuintes a redução de suas atividades de socorro, fiscalização e patrulhamento nas estradas brasileiras, por falta de recursos, a Polícia Rodoviária Federal deu sequência a um ato administrativo que bem representa – no País que já não emite passaportes para seus cidadãos – a matroca em que se encontra o Brasil. Um pregão realizado pela Superintendência Regional do Paraná, registrado no Portal de Compras do Governo, oficializou a aquisição de 15 mil carteiras de couro e 15 mil distintivos metálicos com brasões da PRF, kit destinado à identificação funcional de seus agentes. O preço consumado pelo lote foi de R$ 3,5 milhões. Muito além da oportunidade do gasto, num momento de alegada crise de caixa, chamam atenção a cifra carimbada na encomenda e os caminhos que levaram a ela. Noutro pregão realizada pelo órgão, em março passado, envolvendo idêntico material, a mesma corporação desembolsou R$ 600 mil em troca de 21.800 conjuntos de carteiras e brasões. No primeiro caso, cada peça custou R$ 116,00. No segundo, R$ 27,10. A diferença talvez tenha explicação nas peculiaridades do edital. Dessa vez, os responsáveis pela escolha da mercadoria determinaram que o fornecedor deveria provar “experiência com materiais de liga metálica por acabamento de deposição física de vapor” e oferecer peças com “gravação a laser”. O candidato ao contrato também precisaria exibir “capacidade técnica comprovada em fornecimento anterior de cinco mil peças de liga metálica”. Aperta daqui, detalha dali, os preciosismos resultaram na exclusão de todos os fornecedores possíveis, menos um: a Altero Design, de Sapiranga (RS). De todas as emergências possíveis no horizonte dos viajantes que cruzam nossas rodovias, certamente encontrar um patrulheiro com aquele tipo de carteirinha vistosa é o menos relevante. Talvez o sempre enfático ministro da Justiça, Torquato Jardim, chefe maior da Polícia Rodoviária Federal, possa fazê-la entender isso.