por Drauzio Varella
–Você é casado?– perguntou o motorista.
Eu mal havia entrado no táxi, no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Respondi que sim.
–Sua mulher é enfezada?– perguntou em seguida.
Quando falei que não, ele disse que eu era um homem de sorte, que as mulheres podem ser muito divertidas enquanto namoram com a gente, mas é só casar que o bom humor desaparece.
–Antes era só alegria, benzinho pra cá, benzinho pra lá, um mar de rosas. Quando vieram os espinhos, a braveza da Cida tomou conta da casa.
–E quando vocês saem para passear?
–Melhora um pouco. Não muito, que ela é ciumenta pra caramba. Não posso olhar pra mulher nenhuma.
–E por que você olha?
–Eu evito, mas tem mulher que os olhos da gente olham por conta própria.
Contou que a mulher era um poço de preocupações: com os problemas domésticos, os filhos, a mãe, a irmã solteirona, as tias e as avós viúvas.
–Quer resolver a vida da família inteira. Minha casa virou um Maracanã lotado de contrariedades.
Para aliviar as agruras do matrimônio:
–Fui obrigado a arranjar uma namorada, a Leonor, morena de parar o trânsito.
Levou vida dupla por mais de dois anos, sem que a mulher desconfiasse:
–O bom do táxi é que todo dia você tem álibi.
Tentou me convencer de que o relacionamento paralelo não fazia bem apenas para ele, mas até para a mulher que tinha um marido mais paciente e atencioso ao chegar em casa.
A reviravolta acontecera na Semana Santa, por causa de uma gentileza de seu Hirata, fazendeiro do Mato Grosso, que contratava seus serviços quando vinha ao Rio.
No feriado da sexta-feira, quando foi buscar seu Hirata, encontrou-o com as malas prontas no saguão do hotel. Havia antecipado a volta para ir ao enterro de um parente.
Como o hotel estava pago até a segunda-feira, o fazendeiro insistiu que ele passasse lá o fim de semana com a mulher.
–De frente para o mar. Estadia e café da manhã naquele luxo.
O taxista pesou os prós e contras:
–O certo era levar a Cida, mas perigava ela ficar ligando pros filhos, pra mãe, pra tia, me infernizando com os dramas da porra da família. Convidei a Leonor. Bem mais suave.
Para justificar a ausência no fim de semana, explicou que o patrão precisava concluir vários negócios que exigiam tantos deslocamentos para fora da cidade e reuniões noturnas, que lhe propusera hospedar-se no mesmo hotel, para estar à disposição quando necessário.
–Foi um fim de semana de cinema: da praia para o quarto, café da manhã na cama, piscina, jantar à luz de vela. Não pusemos os pés na rua.
A lua de mel acabou no domingo de Páscoa, quando o casal entrou no hotel, na volta da praia, e deu de cara com a mulher dele e a irmã solteira plantadas ao lado da recepção.
–Quem é essa ordinária?
–Nem sei o nome. Acabamos de nos conhecer na saída da praia.
Não deu muito certo.
–Me deu um tapa na cara e me xingou de cafajeste, vagabundo e filho da puta. Agarrou a Leonor pelos cabelos. Não fossem os seguranças do hotel apartar, o escândalo seria pior. Todo mundo olhando. Passei a maior vergonha.
Comeu o pão que o diabo amassou, durante meses. Foi abandonado pela namorada. Em casa, a mulher não lhe dirigia a palavra. Se precisava falar com ele, pedia a um dos filhos que o fizesse:
–Dizia pros meninos na minha frente, como se eu fosse surdo: “Fala pro cachorro do seu pai que o almoço está pronto”, “Fala pro cachorro do seu pai que a porta ficou aberta”.
Inesperadamente, uma noite ela o seduziu no quarto. O taxista estranhou a iniciativa e o comportamento na manhã do outro dia:
–Serviu meu café– até espremeu uma laranja. Voltou a esquentar meu jantar e a conversar como se nada tivesse acontecido. Vai entender as mulheres.
Nas semanas que se seguiram, a mesma atenção e cordialidade.
–Esqueci da Leonor e voltei a ser feliz no casamento.
Como não há bem que sempre dure, entretanto:
–Descobri a causa daquele bom humor: ela estava saindo com um vizinho nosso. Pode uma traição dessas?
*Publicado na Folha de S.Paulo