por Célio Heitor Guimarães
Pensei que eu era o único “anormal” que criticava o uso de vidros escuros nos veículos em circulação neste Brasil varonil. Como também odeio os celulares, smartphones e whatsapps, calei-me. Ou limitei a minha opinião ao ambiente de minhas relações pessoais mais íntimas. Mas sempre achei uma estupidez essa ocultação de motoristas e passageiros detrás da película negra que equipa suas possantes conduções e muito pé-de-bode também. Tinha (e ainda tenho) uma tese de que, com raríssima exceção, quem assim circula pelas vias da cidade é meliante ou “barbeiro” em potencial, sempre pronto para fazer uma besteira no trânsito. Entre os meliantes incluo não apenas um eventual sequestrador como também os usuários de celulares, as madames que ajeitam as madeixas ao volante e ações assemelhadas. Tanto é que já foi proibido o uso de películas escuras nos vidros dos veículos automotores. Acho que ainda é. Pelo Código de Trânsito Brasileiro e por resolução do Contran. Mas ninguém mais está dando bola para isso. Virou mania nacional. Até porque as viaturas policiais são as primeiras a usarem. Nesse caso, por motivos óbvios.
Agora, comemoro que não estou sozinho na minha tresloucada conclusão. Acabo de ler no (ou seria na?) UOL um comentário da jornalista Lia Bock, intitulado “Ele matou a paquera. Agora vai matar pessoas: abaixo o vidro fumê!”. Nele, a ex-redatora-chefe da revista TPM reitera um texto que escreveu, há mais ou menos dez anos, contra a indústria automobilística e a “nova moda dos vidros escuros, que atrapalham a paquera de dentro de nossas bolhas motorizadas”.
Diz Lia que os anos se passaram e ela se tornou mais radical. Isso porque “os vidros se tornaram ainda mais escuros e acabaram não só com a diversão de ver os outros, como acabaram com qualquer possibilidade do cara ao lado dar passagem”.
Aí, narra uma cena tristemente hilária. Um senhor, dos seus 70 anos, estava na faixa de pedestres esperando alguém parar para ele atravessar a rua. “Um carro parou” – narra a jornalista. “O pedestre atravessou? Não. Titubeou na beira da calçada e fez aquele tradicional ‘deixa-que-eu-deixo’. O carro fez o mesmo e ninguém tomou a dianteira. Daí fulaninho do carro abre o vidro e grita: ‘Vai, tio! Atravessa logo, pô!’ e o ‘tio’ responde: ‘desculpe, eu não entendi que era para eu passar’.”
É claro que não poderia entender. “O vidro do fulaninho era preto, mas tão preto, que parecia não ter ninguém ao volante. Ou pior, poderia ter alguém que parou porque estava no celular. Podia ter alguém que estava tendo ataque cardíaco ou poderia ser a Fernanda Lima dando uns beijos no maridão. Se ele não abrisse o vidro, jamais saberíamos” – pontua Lia Bock.
O exemplo é cômico, mas, de minha parte, não acho graça nenhuma nessa maldita prática. Diz-se, em sua defesa, que o insulfilm protege as famílias e lhes dá segurança contra os bandidos. Pois, de igual modo, protege os bandidos que sequestram essas mesmas famílias e, depois, as conduzem, com toda a tranquilidade e segurança, aos cativeiros.
Arremata a Lia: “Gente, não é mais a paquera que está em jogo. São as nossas vidas!…”.
Assino embaixo. Mas há quem convença a patuleia circulante?…
Assino mais abaixo, terceira linha.