por Ruy Castro
Nos anos 50, quando o Brasil já estava à beira do abismo —o Brasil tem uma atração irresistível por esse lugar—, os rádios e jornais eram tomados por uma voz tonitruante, denunciando o caos, a ruína e o descalabro moral, político e econômico em que vivíamos, e oferecendo a fórmula que nos levaria à salvação. Quase sempre essa fala era precedida de uma expressão sobre a qual não restava a menor dúvida: “Apelo à razão” ou “ao bom senso”.
Eu, de calças curtas e dedo no nariz, lia e ouvia isso e imaginava um profeta bíblico, de longas barbas, túnica vermelha e cajado na mão, no alto de uma montanha, chamando à responsabilidade os insensatos que, lá embaixo, se entregavam a uma orgia. No futuro, eu aprenderia que esse apelo remetia à Antiguidade e nunca impediu crises ou guerras. Serviu apenas para dar uma breve notoriedade a quem o fazia e acender um holofote sobre passagens de sua biografia.
No Brasil, os apelos à razão, com cansativa regularidade, vinham de homens como Otavio Mangabeira, Adauto Lucio Cardoso, Milton Campos, Pedro Aleixo e o brigadeiro Eduardo Gomes, todos da UDN (União Democrática Nacional) e considerados “reservas morais da nação”. As intenções eram boas, mas como levar a sério um partido em que, cada qual em seu burgo, já ensaiavam figuras como Amaral Neto, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney?
Nesta segunda-feira (26), o ex-presidente FHC publicou na Folha o seu
—literal— “Apelo ao bom senso”, em que sugere ao presidente Michel Temer que, “num gesto de grandeza”, “abrevie o próprio mandato”. Ou seja, mate-se ou renuncie. Mais uma vez, o ex-presidente sem pauta e sem o que fazer se investe da autoridade que conferiu a si próprio e sobe à montanha para clamar aos insensatos.
Mas esta é só a sua opinião desta semana, sujeita a retificações.
*Publicado na Folha de S.Paulo