por Fernando Muniz
– É egoísmo seu, mãe! Me deixa em paz! Tenho esse direito! – a porta do quarto é fechada com força.
– Eu faria isso por qualquer pessoa. Muito mais por um filho. E que diabo de direito é esse? Nunca ouvi falar – pensa no ex-marido, aquele banana que nunca fez nada por eles; bem que poderia estar presente numa hora destas.
– Sei o que é ser feliz, mãe. Eu sei. Já vivi bem. Agora, se eu não posso ser quem eu fui, não quero mais. Por que você faz isso comigo?
– Você vai lá porque é assim que tem que ser. Enquanto eu estiver viva, enquanto eu tiver discernimento das coisas, você vai – remexe a bolsa, atrás do talão de cheques, caso a corrida de táxi seja muito alta.
– Vou lá obrigado, você sabe. Saio de lá super mal, é insuportável. Prefiro largar mão.
– Mas ora essa, que absurdo! Tanta gente em situação pior, agarrada a cada fio de esperança e o beleza aqui larga os betes na primeira dificuldade.
– Primeira dificuldade? É irreversível!
– Mas administrável.
– É doloroso!
– Mas tem jeito.
– Não tem jeito! Não quero! Sou maior, vacinado e…
– Nunca namorou, nem faculdade terminou! Maior de idade… só na certidão de nascimento – desfere o golpe final; está cansada de tanto insistir. Se a birra continuar, vai deixá-lo se contorcendo.
Vai até a cozinha, atrás de um copo d´água. Suas energias estão no limite; largou o emprego, o noivo, as amigas, para lutar pelo filho. Que não quer viver.
O médico já disse que ele tem idade para fazer uma escolha como essa. Está de mãos atadas até que ele entre em coma. Só que o “óbito” pode vir a qualquer momento. Sente um vazio no peito, uma gastura.
Vida não vivida, a dele. Sem desfrute, gozo ou deleite. Sem mistérios desvendados. Sem deixar pegadas neste mundo. Apesar de ter a chance de se tratar, não quer. Ela não entende a recusa. Ele também não, teimoso que é. Não explica o motivo, não dá qualquer razão. Apenas a xinga, vira-se de costas e se enfia embaixo das cobertas.
– Não me conformo… – fala entre os dentes, enquanto um frio a envolve. Nem lágrimas saem mais.
Volta a bater à porta do filho. Silêncio. Desespera-se. Dá murros. Nem se importa com a vizinhança. Grita o nome dele como se soltasse um uivo, tal qual bicho.
Agarra o trinco, sem qualquer esperança; o rapaz roda a chave.
– Vamos, mãe, nessa porra de hemodiálise. Você venceu.
– Venci? De jeito nenhum – enxuga as lágrimas, busca se recompor enquanto um sorriso brota no canto da boca.
– Nós é que deixamos de perder.