Por Ivan Schmidt
Na política brasileira acontecem coisas do arco da velha, para resgatar uma expressão usada nos tempos em que os bichos falavam e os homens andavam de cabeça para baixo.
Mas o acúmulo dessas barbaridades – o que estamos testemunhando agora – é de estarrecer o mais frio dos calculistas de Pindorama.
Temos hoje os últimos três presidentes da República – Lula, Dilma e Temer – às voltas com denúncias e processos correndo na Operação Lava Jato da Justiça Federal ou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que deverá iniciar o julgamento do processo que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, botando mais uma carga de lenha na fogueira.
Em pouco tempo, dois presidentes foram afastados do cargo por impeachment aprovado pelo Congresso Nacional – Collor e Dilma – sendo que o atual – Temer – também enfrenta o risco real de seguir pelo mesmo caminho (há mais de 10 pedidos de impeachment protocolados contra ele na Câmara dos Deputados).
Afastar dois presidentes por desvios de conduta moral e administrativa em tão pouco tempo é certamente um recorde mundial, e a iminência de que o número aumente para três, deixam nosso país em inconfortável posição no concerto dos povos civilizados.
Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado da República, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira – assim como uma baciada de congressistas de ambas as Casas, também têm os nomes arrolados nos processos da Lava Jato, e em breve serão chamados a prestar contas com a Justiça.
Uma hipótese: caso Temer tenha o mandato encerrado prescreve a Constituição que a substituição seja feita por eleição indireta, concedendo vida episódica ao tristemente lembrado colégio eleitoral, cuja última manifestação foi a eleição de Tancredo Neves e José Sarney em 1985.
O deputado Rodrigo Maia, no caso da vacância, assumiria a presidência da República por 30 dias determinando a convocação constitucional do colégio para o último dia da interinidade e, em consequência, a eleição indireta do novo presidente que governará o país até 31 de dezembro de 2018.
Ocorre que o processado Rodrigo Maia é o candidato preferido para seguir na presidência na eleição indireta, em posicionamento já manifesto pelos integrantes do chamado Centrão, o grupo que dá as cartas (ou melhor, os votos) para decidir qualquer parada na Câmara.
Acredite se quiser. Esses “eleitores” privilegiados para uma ocasião propícia que se esboça para a demonstração de seu poder de negociação, sabidamente movidos pelo fisiologismo e com a esperança de se refugiar na blindagem oferecida pelo novo presidente, fecham a maioria absoluta dos deputados federais, abrindo a perspectiva triunfante de que dificilmente alguém que não pertença à Câmara tenha condições de ser eleito para a vaga de Temer.
O outro nome na berlinda é o do senador cearense Tasso Jereissati, cujo obstáculo natural é a inevitável supremacia dos votos cativos da Câmara. FHC já disse claramente que deseja ser incluído fora da lista de presidenciáveis, alegando razões gregorianas, e Nelson Jobim também não mostrou maior interesse, embora asseverem nove entre dez analistas políticos que o ex-ministro e presidente do STF tem passe livre para transitar por toda a extensão do arco político.
Um fato: Temer substituiu o ministro da Justiça Osmar Serraglio pelo ex-ministro do TSE Torquato Jardim, que estava ministro da Transparência, antes chamada CGU. Serraglio, com os brios feridos, distribuiu nota dizendo que a iniciativa presidencial quanto ao bilhete azul, se deveu ao aconselhamento recebido de “trôpegos estrategistas”.
É ponto pacífico que só poderia estar se referindo aos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria Geral), hoje os assessores que restam no convívio presidencial. Os demais, Rodrigo Rocha Loures, Tadeu Filipelli e Sandro Mabel pediram dispensa ou foram dispensados.
Quanto à demissão de Serraglio, a bem da verdade uma grotesca falta de cortesia tendo em vista o contexto em que foi perpetrada, teve maior gravidade até mesmo que a demissão do então ministro da Educação Cristovam Buarque, que estava em Lisboa e lá recebeu uma ligação telefônica do presidente Lula, na maior humilhação de sua trajetória na vida pública.
A copa-cozinha do Jaburu abestalhada por uma arrogância sem limites entendeu que o deputado paranaense se sentiria sumamente honrado com a ida para a Transparência, no lugar de Torquato Jardim, benemerência espanada com uma solene banana.
A trôpega estratégia palaciana dava de barato a manutenção do foro privilegiado de Rodrigo Rocha Loures, o silencioso, que ora se debate com a mais severa crise de identidade de seus 50 anos: fazer ou não a tal delação premiada, mormente agora que retornou àquele pedaço da planície onde vagam as almas penadas.
Relegado ao vento e à chuva, sem a segurança transmitida pelos palácios e a sensação de rei na barriga por integrar o escalão mais íntimo da presidência da República e, no auge da carreira pública decidir quem seria ou não recebido pelo chefe, viu-se repentinamente jogado no limbo, que é a situação mais degradante para um político a quem a sorte sorria, até ser inebriado pelo sabor das picanhas oferecidas por Joesley Batista.
Outro fato: e se Rodrigo Rocha Loures resolver contar tudo o que sabe sobre as patranhas de Temer com a turma da JBS? O “venha quando quiser e entre pela garagem”, que o presidente teria liberado a Joesley na conversa noturna que transformou a política brasileira numa autêntica cantata profana, exige para o bem da nação uma exegese mais aprofundada, e quem sabe, na atual conjuntura, o herdeiro da Nutrimental seja o agente ideal para se desincumbir da função.
Talvez por essa percepção forçada pelas circunstâncias, os arquitetos da trôpega estratégia do governo Temer, já estejam em campo alardeando o convencimento de que Loures não fará delação premiada. Com base em que elementos probatórios poderão ter chegado a essa conclusão, agora que Serraglio retirou-lhes o poder de barganha representado pelo instituto da prerrogativa de foro, hoje contestado com veemência?
Em palestra recente em Curitiba o ex-presidente do Banco Central, economista Gustavo Loyola, afirmou que a reparação radical que o Brasil precisa vai causar muitas escoriações, mas quando emergir do buraco o país estará inteiramente refeito.
Outra frase marcante da semana foi escrita pelo ex-ministro Delfim Netto, na sua coluna do jornal Valor Econômico: “A história desses últimos trinta anos mostra que, provavelmente, Deus desistiu do Brasil”. Rezemos para que o ministro esteja redondamente enganado!
Vamos ser justos: ainda falta o FFHHCC para completar o quarteto. Isso chama-se “república democrática” pois todos os envolvidos em recuperar a “democracia” foram contra a “ditadura” e estão vivinhos da silva para fazer hoje o que queriam antes. Pena que sobreviveram…
Li até vírgulas, pontos e entrelinhas. Ivan ostenta outro ível além do de terr ível. É leg ível. Ganhei o dia.
Caro Ivan, esta é uma das poucas vezes que apoio integralmente a inquestion ável opinião do Parreiras.
Abs Wilson Portes