Renovei minha carteira de habilitação há pouco. Tenho quase noventa anos. Minhas pernas estão fracas, escuto muito pouco e enxergo mais ou menos. Fui lá no doutor, coloquei um óculos que nunca uso – e pronto, fui aprovado. Em menos de uma semana o documento estava em minhas mãos. Meus filhos não querem que eu dirija meu carrão, uma Variant de farol retangular que tenho desde zero quilômetro. Chamo ela de Catarina, que é nome de carroça. Não a desprezo. Já foi comigo até o Nordeste, mas isso há muitos e muitos anos. Fiz seu motor três vezes. O mais mala que me atormenta é um genro que mora na minha casa. Ele já fez quatro cursos de reciclagem, destruiu carro em poste, etc. – e quer me dar lição. Já está na terceira idade e pensa que é um mocinho. Ridículo. Ele diz que o perigo é eu atropelar alguém ou dar uma porrada em outro carro e matar gente. Oras, bolas! Eu só saio de vez em quando para ir até a padaria comprar danette. Nunca fiz uma barbeiragem. Ok, meu pescoço também não consegue virar muito, mas isso ninguém precisa saber, assim como minha dificuldade em olhar pelos retrovisores. Isso foi porque me acostumei no tempo em que não existia esse acessório nos carros. Para encerrar, digo mais: se continuarem a me encher o saco, vou pedir para ser enterrado junto com a Catarina. As estradas do céu devem ser melhores do que as daqui desta cidade.
O tiozinho devia mais é mandar o genro morar na garagem e trazer a Catarina pra sala.