por Célio Heitor Guimarães
Disse aqui e repito: o Conselho Nacional de Justiça não é mais aquele – se é que um dia foi. Nascido com o objetivo de “aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual” e, por consequência, a conduta dos nobres magistrados, o CNJ virou um novo órgão de classe, cuja preocupação maior é defender os interesses da magistratura e de seus componentes.
A mais recente prova disso é a decisão do plenário da entidade, que considerou o insigne desembargador Dilermando Motta Pereira, do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, coberto de razão ao exigir o tratamento de “excelência” em uma padaria de Natal. No entendimento dos componentes do CNJ, o ínclito homem da toga “não cometeu falta disciplinar que justifique punição administrativa”. E estamos conversados.
Para quem não lembra, recordo: Era uma manhã ensolarada de domingo na capital potiguar. Na aconchegante padaria Mercatto, lotada de clientes, uma das mesas era ocupada pela família do des. Dilermando Motta. O filho do magistrado pediu água e o dito, gelo. O garçom fazia o que podia para atender a todos. Mas, caiu na asneira de trazer a água em copo de plástico (o pedinte exigia copo de vidro) e se esqueceu do gelo. Foi o que bastou para que o desembargador partisse atrás do atendente, exigindo, aos berros, que o mesmo olhasse em seus olhos e o chamasse de “excelência”, sob pena de prisão. O show de autoritarismo e falta de educação revoltou os presentes, que se solidarizaram com o garçom. Irritado, o magistrado chamou a polícia e, em pouco tempo, quatro viaturas chegaram ao local. Aos gritos, o desembargador exigiu que um tenente prendesse o garçom. No entanto, os clientes da padaria retrucaram que quem deveria ser preso era o juiz, a ponto de uma senhora afirmar ao policial: “Se ele for preso, eu vou também!”.
Como os policiais tentassem contemporizar o ocorrido, sua excelência, que se dizia “desacatado”, chamou o tenente de “cagão”. E o assunto foi parar no Conselho Nacional de Justiça, em queixa contra o magistrado, acusado de humilhar um garçom.
Nesta terça-feira, o relator da matéria, conselheiro Carlos Levenhagen, entendeu que “não foram comprovadas as faltas disciplinares atribuídas ao desembargador”. Foi acompanhado pelos seus nobres pares. Inclusive pela ministra Cármen Lúcia, presidente do STF e do CNJ, ainda que ela fizesse ressalvas “quanto à prudência exigida da conduta dos magistrados” e entendesse ser tempo de enterrar-se no Brasil o “sabe com quem você está falando?” e a exigência de ser tratado de “excelência” numa padaria. “Ninguém vai à padaria em condição desigual’, observou a ministra, frisando não ter cabimento o indivíduo chegar a um lugar como consumidor e exigir ser tratado de excelência.
Disse, mas tudo ficou nisso mesmo, pois esses fatos têm se repetido em toda parte. E já chegou, inclusive ao Supremo Tribunal Federal.
Foi quando um juiz do Estado do Rio de Janeiro exigiu ser chamado de “doutor” e “senhor” pelos funcionários do prédio onde morava. O personagem chamava-se Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, digo, “doutor” Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, então titular da 6ª Vara Cível de São Gonçalo, região metropolitana do Rio.
Há outros exemplos, inclusive aqui neste Paraná, onde, em determinada comarca, próxima a Curitiba, um digno magistrado exigiu da prefeitura local um carro à sua disposição para seus deslocamentos à Capital, e mandou substituir o retrato do presidente da República, que ornava parede de seu gabinete, pelo seu próprio.
Outro: em comarca às margens das Cataratas do Iguaçu, um impoluto homem de toga servia-se à vontade de jornais e revistas em uma banca da cidade, e ao ser cobrado, indagou do banqueiro: “O senhor quer cobrar do juiz de Direito?!” E partiu faceiro, a bordo de um potente Dodge Dart, que fora apreendido pela Polícia e se encontrava sob custódia do juízo local…