Da Folha de S.Paulo
O texto-base da reforma da Previdência foi aprovado na noite desta quarta-feira (3) na comissão especial que discute o assunto na Câmara.
Depois de muitas mudanças e recuos, além da troca de membros do colegiado contrários à reforma, o parecer do relator Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) foi aprovado por 23 votos a favor e 14 contra. O governo trabalhava com pelo menos 22 votos favoráveis.
Dez partidos orientaram seus deputados a votar contra a reforma, inclusive PSB, SD, Pros e PHS, legendas que integram a base do governo. O placar representa 62% dos votos da comissão, em torno da proporção necessária para que a proposta seja aprovada pelo plenário (308 dos votos, ou 60% do total de deputados).
Algumas dessas alterações foram definidas após queda de braço entre as equipes política e econômica do governo.O texto de Maia altera pontos centrais da proposta original, encaminhada pelo governo do presidente Michel Temer no final do ano passado.
Até o último minuto —e até com a sessão marcada para votação em andamento—, o relator fez mudanças no texto.
Nesta quarta, instantes após anunciar um benefício aos agentes penitenciários, que poderia equiparar as regras de aposentadoria deles às dos policiais federais, o relator voltou atrás.
Do lado de fora do Congresso, os agentes protestaram. Do lado de dentro a gritaria contra o recuo coube aos integrantes da “bancada da bala”.
A justificativa do relator foi que parlamentares alegaram que o Legislativo estava atendendo o pedido de um grupo que fez um movimento “contra a lei brasileira”, ao invadir o Ministério da Justiça na tarde desta terça-feira (2).
Na noite de terça, Maia já havia feito uma alteração, beneficiando os cerca de 500 policiais legislativos que atuam na Câmara e no Senado, como a Folha mostrou nesta madrugada. Essa categoria passou a ter as mesmas regras dos policiais federais, com idade reduzida para aposentadoria.
Após aprovar o texto principal, foram votados de uma só vez todos os destaques apresentados individualmente por deputados para alterar o relatório de Maia.
Por acordo, esses destaques seriam votados simbolicamente. Aparentemente, mais oposicionistas levantaram a mão, o que irritou o presidente da comissão, Carlos Marun (PMDB-MS), que decidiu fazer votação nominal.
Os destaques individuais foram rejeitados por 22 votos contra e 14 a favor.
NOVA PREVIDÊNCIA
A primeira grande mudança do relatório em relação à proposta original do governo foi a diferenciação da idade mínima de aposentadoria da mulher na regra geral. O relatório propõe 62 anos para elas e 65 anos para eles. O tempo de contribuição de 25 anos foi mantido para os dois gêneros.
A regra vale para trabalhadores urbanos vinculados ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e para os servidores públicos.
A mudança na idade da mulher, e não no tempo de contribuição, conforme mostrou a Folha, privilegia as mais ricas. Para as mulheres de baixa renda, teria mais efeito a redução do tempo de contribuição.
Atualmente, é possível se aposentar sem idade mínima, com tempo de contribuição de 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres). Essa modalidade é mais acessada pelos trabalhadores de maior renda, que conseguem se manter mais tempo em empregos formais.
Os trabalhadores que recebem menores valores de aposentadoria costumam de aposentar por idade, com 65 anos (homens) e 60 (mulheres), além de 15 anos de contribuição.
TRANSIÇÃO
A regra de transição, um dos pontos mais criticados na proposta original, foi alterada pelo relator. Na proposta original, ela começava aos 45 anos (mulher) e 50 anos (homem) e tinha um pedágio de 50% sobre o tempo de contribuição restante para a aposentadoria.
O parecer estabelece que não haverá um corte de idade para se enquadrar na transição e que o pedágio, para quem pretendia se aposentar por tempo de contribuição, será de 30%, conforme antecipou a Folha.
A idade mínima para quem pretendia se aposentar por tempo de contribuição vai começar em 53 anos para mulheres e em 55 para homens. Esse patamar vai subir um ano a cada dois anos a partir de 2020. A idade a ser observada pelo segurado é aquela refente ao ano em que ele termina de cumprir o pedágio.
Para quem pretendia se aposentar por idade, aa idade exigida dos homens será mantida em 65 anos. Para mulheres, a idade passaram dos atuais 60 anos para 62, com o aumento de um ano na idade mínima a cada dois anos, a partir de 2020. O tempo de contribuição, hoje em 15 anos, chegará a 25 anos. Para isso, subirá 6 meses a cada ano, também a partir de 2020.
REGRA DE CÁLCULO
Para contornar as críticas ao prazo de 49 anos necessários para atingir o valor máximo do benefício, o relator propôs a redução para 40 anos.
A solução encontrada, porém, diminui o valor de partida da aposentadoria: quem tiver 65 anos (homem) ou 63 anos (mulher) e 25 anos de contribuição terá direito a 70% da média salarial, e não 76%, como previa o texto original.
O percentual de 70% subirá 1,5 ponto percentual de 25 a 30 anos de contribuição; 2 pontos dos 30 aos 35 anos; e 2,5 pontos dos 35 aos 40.
Outra mudança que reduz o valor do benefício é que esse novo percentual da regra de cálculo incidirá sobre a média de todas as contribuições do trabalhador desde 1994, em vez de ser calculado em cima das 80% maiores contribuições, como é hoje.
APOSENTADORIA RURAL
Para o trabalhador rural de economia familiar, a idade mínima de aposentadoria será de 60 anos (homens) e 57 anos (mulheres), com 15 anos de contribuição. A proposta original do governo previa para os trabalhadores rurais as mesmas regras dos trabalhadores urbanos.
PENSÃO
O relator manterá as pensões vinculadas ao salário mínimo, diferente do que queria o governo.
Para quem tiver direito a um valor superior, fica mantida a regra de uma cota de 50%, acrescida de 10% por dependente.
O acúmulo de pensão com aposentadoria poderá ocorrer até o limite de dois salários mínimos. Para quem ultrapassar esse valor, será possível optar pelo benefício de maior valor.
As pessoas que hoje já acumulam esses benefícios não serão afetadas.
SERVIDORES
O relator manteve em seu texto um ponto que causou revolta de servidores públicos por dificultar o acesso à integralidade e paridade —ou seja, o direito a aposentar com o salário da ativa e ter o mesmo reajuste dos funcionários públicos em exercício.
Os servidores que entraram até 2003, que hoje têm esses dois privilégios, terão que esperar até 62 anos (mulher) e 65 anos (homem) para alcançar a integralidade e a paridade, segundo a regra proposta. Os que quiserem aposentar antes disso têm direito a 100% da média de contribuição.
Os funcionários públicos que entraram após 2003 terão direito a 70% da média de contribuição. Esse percentual subirá 1,5 ponto percentual de 25 a 30 anos de contribuição; 2 pontos dos 30 aos 35 anos; e 2,5 pontos dos 35 aos 40.
As regras estabelecidas no texto passarão a valer para os Estados 6 meses após a promulgação da PEC, caso eles não tenham aprovado uma reforma própria.
PROFESSORES E POLICIAIS
Os professores poderão se aposentar aos 60 anos de idade, com 25 anos de contribuição.
Os policiais federais e os policiais legislativos terão idade mínima de 55 anos para se aposentar.
O tempo de contribuição será de 25 anos para mulheres, com 15 anos de atividade policial, ou 30 anos de contribuição para os homens, com pelo menos 20 anos de atividade policial. O tempo de atividade policial subirá 1 anos a cada 2 anos até chegar a 20 anos para mulheres e 25 para os homens.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência que têm renda familiar per capita de até 25% do salário mínimo, não será desvinculado do salário mínimo, como pretendia o governo.
O texto prevê que a idade mínima, no caso dos idosos, subirá dos atuais 65 anos para 68. A proposta do governo era de 70 anos.
Para as pessoas com deficiência, não há um limite de idade.
PRÓXIMOS PASSOS
A aprovação na comissão especial é apenas o primeiro passo de uma longa jornada de análise de mérito que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) terá pela frente.
Para ser aprovada, uma PEC precisa de ao menos 308 votos dos 513 deputados. A expectativa do Palácio do Planalto, que trabalha com corte de indicações e oferta de cargos, é chegar a 320 votos.
O governo acredita ser possível conseguir o total até a última semana de maio, possibilitando a votação em plenário na primeira semana de junho.
O Palácio do Planalto avalia que, com um texto final definido, fica mais fácil conseguir votos adicionais para a proposta, já que há parlamentares governistas que ainda receavam a possibilidade de recuos nas flexibilizações realizadas.
No plenário da Câmara, quando pautado, o texto tem que ser votado em dois turnos. Se aprovado, tem que passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado antes de ir para o plenário. A votação também ocorre em dois turnos e o governo precisa de apoio de 49 dos 81 senadores.
Se não houver alterações, o texto é promulgado pelo Congresso. Caso contrário, volta para a Câmara.
PLANALTO
O placar era o aguardado pelo presidente, que tinha como meta conseguir o apoio de pelo menos 60% da comissão especial em uma tentativa de superar o resultado abaixo do esperado obtido na reforma trabalhista, na semana passada.
O objetivo era passar a mensagem tanto ao mercado como à sociedade de que o peemedebista não perdeu o controle sobre a base aliada para a votação da proposta em plenário.
“O número de votos demonstra o reconhecimento da sociedade quanto à necessidade e à urgência de reformar o sistema previdenciário no país”, disse o presidente, que reiterou a necessidade da base aliada “renovar seu empenho” na votação em plenário.
Apesar do placar favorável, o peemedebista ficou insatisfeito com as flexibilizações de última hora feitas pelo relator. O receio é que as mudanças estimulem a base aliada a fazer novas alterações na proposta na discussão em plenário, reduzindo ainda mais a economia prevista com a iniciativa.