por Elio Gaspari
Na segunda-feira, dia 17, completaram-se cem anos do nascimento de Roberto Campos, o corifeu do liberalismo econômico brasileiro. Na sexta, dia 28, completam-se 36 anos da noite em que ele foi esfaqueado em São Paulo, num episódio que expõe as artes, conexões e malandragens do andar de cima nacional.
As celebrações do centenário tratam do intelectual que ajudou a reformar a economia do país enquanto foi ministro do Planejamento, de 1964 a 1967, e iluminou-a com sua verve inigualável até 2001, quando morreu. A história das facadas é outra.
Na noite de 28 de abril de 1981, Roberto Campos encontrou-se num apart-hotel, na Vila Nova Conceição, em São Paulo, com sua namorada, Marisa Tupinambá. Conheciam-se desde 1969, quando ele tinha tinha 52 anos e ela, 23. À época Campos vivia sua única –e desastrosa– experiência de empresário privado, como banqueiro. Em 1975, ele foi nomeado embaixador em Londres e pendurou Marisa na folha da embaixada em Paris. Ela xeretou o que não devia, foi demitida e desceu em Londres. Lá Roberto Campos conseguiu-lhe um apartamento, que usava também para suas festinhas. Depois de muitas idas e vindas, a relação azedou e em 1981 ela foi ao apart-hotel para negociar o fim do caso. Desentenderam-se, apareceu uma faca, e o embaixador teve o abdômen e o tórax perfurados.
Amigos, parentes e protetores de Campos informaram que ele fora esfaqueado durante uma tentativa de assalto ao sair do edifício onde vivia, na avenida São Luís (a quilômetros de distância do apart-hotel da Vila Nova Conceição). O presidente da República, general João Figueiredo, telegrafou ao embaixador, e o governador de São Paulo, Paulo Maluf, exigiu que a polícia prendesse os assaltantes em 48 horas e dezenas de pedestres foram detidos. (Ao ouvir a versão do assalto num noticiário de televisão, o general Octavio Medeiros, chefe do SNI, perguntou: “Pra cima de mim?”)
O matutino carioca “O Dia” salvou a pátria e desmontou a operação abafa narrando, com exageros, a cena das facadas e identificando Marisa Tupinambá. A esta altura ela estava escondida e calada, sob orientação de um mandarim da indústria petroquímica.
Falando à Lava Jato, Emilio Odebrecht mostrou que tem razão e boa memória quando diz que “o que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco ou dez anos. Estamos falando de 30 anos.” Mais que isso. Quando Marisa Tupinambá estava em Londres, era a Odebrecht Overseas que lhe pagava uma mesada de 700 libras.
Em 1984, Madame Tupinambá publicou um livro, intitulado “Eu fui testemunha”, mas ele sumiu das estantes. Teria sido proibido pela Justiça ou apenas não teria sido reeditado, depois que o Sebastião Camargo, o fundador da Camargo Corrêa, comprou todos os exemplares disponíveis. (O general Ernesto Geisel, que detestava Roberto Campos, guardou seu volume por mais de uma década.)
O centenário de Roberto Campos é uma boa oportunidade para se relerem alguns de seus esplêndidos artigos e discursos. Os 36 anos das facadas de Marisa Tupinambá são uma oportunidade para se pensar como o Brasil melhorou. Se um juiz de primeira instância pudesse ter corrido atrás da história da senhora, a Lava Jato teria chegado muito antes, ao tempo em que o país era governado por generais.
*Publicado na Folha de S.Paulo