5:53Constituinte já!

por Ivan Schmidt 

Desde os anos 50 aconteceram fatos marcantes na política brasileira. Primeiro foi o suicídio de Getúlio Vargas, as eleições de Juscelino Kubitschek (o Peixe Vivo) e Jânio Quadros (o homem da vassoura), a renúncia, a posse de Jango Goulart e o golpe de 1º de abril de 1964 que armou seu bivaque na República e aí permaneceu por 20 anos.

Com a redemocratização, o interminável cacique José Sarney assumiu a cadeira de Tancredo Neves que a morte levou, dando lugar cinco anos depois ao parvenu Fernando Collor de Melo, um dos herdeiros da dominação oligárquica em Alagoas, ainda viva e atuante naquele longínquo rincão nordestino.

Seguiram-se na presidência Itamar Franco (vice de Collor), Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef, eleitos e reeleitos, embora a última ocupante do cargo tenha sido afastada pelo impeachment no início do segundo mandato.

Esses nomes compõem um período de mais ou menos 30 anos de exercício da presidência da República Federativa do Brasil, que a essa altura do campeonato voltou a ser governada pelo vice-presidente na falta do titular: as mortes de Getúlio e Tancredo, a renúncia de Jânio, e o impedimento golpista de Jango e os impeachments de Collor e Dilma.

Apenas para lembrar, com a deposição de Goulart em 1964 (ele que era vice de Jânio) e assumiu a presidência sob o consentido regime parlamentarista, pouco tempo depois perderia o lugar para o marechal Castelo Branco, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, então o oficial superior a ocupar o posto de maior relevância no país e, por essa distinção, indicado para a presidência da República.

A longa introdução é para chegar ao fato assaz lamentável de que três décadas depois, o Brasil voltou a ser governado pelo vice, além de bater-se com a mais deletéria crise política e econômica desde que o marechal Deodoro proclamou a República, que segundo historiadores credenciados também não passou de um golpe de mão.

Ministros, governadores, parlamentares e prefeitos – alguns já sem mandato – enchem as páginas políticas dos jornais e espaços do noticiário da TV, citados na última lista de nomes ligados à corrupção organizada pela equipe do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

E, nos últimos dias, com a liberação pelo juiz Sergio Moro das gravações dos depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht, estarrecedores, para usar uma expressão suave, não fica pedra sobre pedra na abominável crônica das relações da empresa com o ex-presidente Lula e alguns de seus ministros, sobretudo, na extrema facilidade com que se negociavam transações de milhões de dólares ou reais em benefício de gente até então com conduta acima de qualquer suspeita.

Com uma frieza e habilidade dignas de um magarefe, o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia — seria uma homenagem à sua terra natal? – esmiuçou em detalhes as tratativas entre ele e outros executivos do grupo empresarial com prepostos de Lula, acertando as enormes quantias de dinheiro a serem repassadas a quem chamavam de “Amigo”.

Talvez a parte mais asquerosa do depoimento de Marcelo, dada a desfaçatez e sentimento de absoluta superioridade sobre os mortais comuns, foi a revelação de que um saldo de R$ 40 milhões foi provisionado pelo departamento de operações estruturais (o propinoduto) numa conta batizada com inegável subserviência com o nome de “Amigo”, porquanto sua destinação seria o suprimento das necessidades do ex-presidente, que daria lugar a Dilma Rousseff, mas “continuaria a ter grande influência no PT”.

E acrescentou que, de fato, no acompanhamento da movimentação da referida conta houve a verificação de que alguns saques haviam sido feitos para atender compromissos pessoais do ex-presidente.

A democracia brasileira foi atingida por flechas envenenadas e suas instituições mais importantes, especialmente no Executivo e Legislativo, se encontram em adiantado estado de degradação ética e moral, havendo quem sustente que no Judiciário as coisas não são diferentes.

É uma vergonha inominável que um grupo de homens e mulheres – que se dizem públicos – tenha se apoderado da estrutura político-administrativa do país, para dela extrair ganhos e vantagens como se se tratasse duma bodega particular.

Tal libertinagem tem que acabar e não foi por falta de motivos que os juristas Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias, publicaram um Manifesto à Nação, na edição de domingo passado (8) do jornal O Estado de S. Paulo.

“Os constantes escândalos comprovam a inviabilidade do vigente sistema político-constitucional. Ele representa um modelo obsoleto, oligarca, intervencionista, cartorial, corporativista e anti-isonômico, que concede supersalários, foros privilegiados e muitos outros benefícios a um pequeno grupo de agentes públicos e políticos, enquanto o resto da população não tem meios para superar a ineficiência do Estado e exercer seus direitos mais básicos”, diz o artigo no parágrafo inicial.

Em seguida os autores alinham a série de modificações urgentes que uma legítima reforma estrutural, a seu ver, está a exigir, dentre as quais destaco as mais impactantes: Eliminação do foro privilegiado, voto distrital puro, eliminação de cargos de confiança, eliminação do Fundo Partidário, eliminação das emendas parlamentares, obrigatoriedade de referendos para a criação ou aumento de impostos e fim das coligações para quaisquer eleições.

Para os juristas é tacanho pensar que as mudanças propostas e ansiadas pela sociedade “serão aprovadas pelos atuais parlamentares, que atuam só para manter o vigente sistema político-constitucional, que preserva seus privilégios”, concluindo que “somente poderemos fazer as reformas estruturais políticas e administrativas indispensáveis com uma Constituinte composta por membros da sociedade civil que não ocupem cargos políticos e, encerrados os trabalhos constituintes, fiquem inelegíveis por oito anos”.

A eleição dos membros da Constituinte deverá ser aprovada por um plebiscito convocado por um terço dos deputados ou senadores e aprovado por maioria simples de uma das Casas do Congresso. Os eleitores decidirão pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte independente formada por pessoas que não tenham cargos políticos, ou, então, por uma Assembleia Constituinte formada pelos próprios congressistas. “Esta será a única pergunta a ser formulada na cédula”, propõem os juristas.

Dessa forma, a sociedade poderá se manifestar com ampla independência e liberdade quanto à natureza da Constituinte a ser escolhida após ampla mobilização pública, para o estabelecimento das novas estruturas que farão o país se reencontrar , antes tarde do que nunca, com o autêntico Estado Democrático de Direito.

Constituinte já!

2 ideias sobre “Constituinte já!

  1. Benjamin Button

    e para quê, para escrever uma versão ampliada deste monstro em que se transformou a Constituição Cidadã do Dr. Ulisses?

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