7:00Senso Comum

por Fernando Muniz

        Costuma receber reclamações assim que o tema aparece em suas colunas no caderno de variedades. Aberração, coisa contrária à Bíblia, homem deve casar com mulher e vice-versa, o certo é o oposto, não o mesmo, é a perpetuação da espécie, assim que as coisas funcionam em sociedade desde sempre. E por aí vai.

            Normalmente não responde esse tipo de mensagem. Mas, uma delas ter vindo através de carta, com envelope e selo, coisa antiquada, resolve dar atenção. Responde com delicadeza; nota-se pela caligrafia que se trata de uma senhora de idade.

Repete, em longos parágrafos, o seu discurso padrão. Que a natureza nos prega peças, nem sempre o que importa é a procriação. A mente humana é muito complexa e o tema dos desejos, então, mais complicado ainda. Que é importante compreendermos as dificuldades de quem não se enquadra nos padrões sociais “corretos” e quanta dor o não ser “natural” acarreta. Mais importante ainda, devemos nos permitir a aceitar as diferenças e conviver com elas, pois, se não são filhos de Deus, por que estariam entre nós?

Diverte-se ao imaginar como a senhorinha irá reagir aos novos tempos, ao novo senso comum que se forma. Sente-se satisfeito e coloca a carta no correio.

            Dias depois recebe a resposta. Mesma caligrafia caprichada e trêmula. Que agradece as palavras, muito iluminadas. Se tivesse encontrado alguém assim antes sua vida teria sido diferente.

            Mas agora, aos setenta e cinco anos e doente, não há mais o que fazer. É muito tarde para mudar. Para voltar no tempo e ser feliz.

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