por Caetano Galindo
Por que “Caymmi e seu Violão” está entre os melhores discos da música brasileira
Acho que foi logo que estreou a versão brasileira de revista Rolling Stone que, emulando um costume do original, americano, eles foram fazer uma lista de Grandes Discos da MPB.
O vencedor, numa enquete conduzida junto a dezenas de músicos, críticos etc, foi “Acabou Chorare”, dos Novos Baianos.
Ninguém me perguntou, mas eu concordo. Acho nobre.
Aliás, ninguém me perguntou também (e de que é que me serve ter essa coluna, ora!?), mas o topo da minha listinha também incluiria a “A Ópera do Malandro”, “Cartola” e um que eu, ignorante, descobri só recentemente, “Caymmi e seu Violão”.
A história por trás do disco é que em 1959 Aloysio de Oliveira, então diretor da Odeon, possivelmente por influência da estética “um banquinho; um violão” da bossa-nova, foi a Caymmi com essa ideia de gravar suas ditas “canções praieiras” sem nenhuma roupagem de festa, só voz e seis cordas. Parece que as pessoas não acharam que a ideia daria muito certo, até porque as canções em geral já tinham sido gravadas, às vezes até pelo próprio Caymmi.
Mas quem duvidou do sucesso do disco (que aliás ficou na posição 33 da tal lista da Rolling Stone) esqueceu de pelo menos três elementos fundamentais pra um disco de “voz e violão”.
1. Ninguém consegue esquecer a voz de Dorival Caymmi. Ele começou a vida de músico como “baixo cantante” em corais na Bahia, e fazia misérias com seu timbre grave e profundo.
2. Caymmi (e essa parte é bem menos comentada) tocava violão pra cará…..! Ele, hoje, seria um acompanhante refinado pra qualquer estúdio. Diferente, sofisticado, imprevisível. Ele pensa no violão como uma mistura de piano e berimbau, sei lá. Mas é lindo de ouvir.
3. Aquele pequeno detalhe de que sempre depende a vida ou a morte desses projetos “minimalistas”: as músicas são bem possivelmente perfeitas.
Diferentes de tudo, nem urbanas nem rurais, nem chorinho nem samba, nem afro nem brasileiras… elas têm um pé no caribe negro, sim, mas tem também uma relação por vezes insuspeita até com o blues norte-americano; têm uma narratividade misturada com um poder alegórico, poético mesmo, que é direto que nem pancada.
Por anos e anos da minha vida, contando que “A Ópera do Malandro” é no fundo uma releitura da peça de Brecht, que é uma releitura da peça setecentista de John Gay, contando que Chico Buarque é tão filho da Europa mais refinada quanto do Rio de Janeiro mais brazuca, eu pensava que se um dia um gringo viesse me pedir UM disco pra entender o Brasil, eu diria pra ele ouvir “Cartola”.
Hoje, depois de chegar com quase sessenta anos de atraso a esse disco bisonhamente lindo, já tenho minhas dúvidas.
*Publicado no jornal Gazeta do Povo