por José Maria Correia
Precisamos falar de nossos sonhos
Não de alguns apenas, de todos eles.
Mas principalmente dos azuis, já que os rosas sumiram para sempre.
Falar daqueles que sonhamos ainda na mais distante e tenra infância.
Quando de mãos dadas com a mãe ou o pai olhávamos encabulados para os primeiros amores inocentes no Grupo Escolar.
Depois, já na saída da missa ou do colégio, o olhar de desejo com o doce pássaro da juventude a nos acompanhar.
Sempre os sonhos .
Sonhos de amor, de namoros, de altares, de formaturas, de paixões enlouquecedoras na cama e do engano de que tudo seria eterno e no jamais dos jamais ficaríamos sozinhos e nunca seríamos traídos.
Ah esses sonhos que tanto sonhamos, com aventuras, viagens e conquistas impossíveis…
Esses sonhos derreteram nas noites clandestinas, as dos nossos segredos mais íntimos, entre corpos suados, delirantes e febris de tanto amor e gozo.
E esses sonhos de risos e de lágrimas e de tanto encantamento geraram outros sonhos que já não são mais os antigos, de futuro, de promessas, de devenir.
Aqueles de mudar o mundo com os cabelos longos , da geração outsider, da música de Woodstock, do amor livre e da rebeldia adormeceram na linha do horizonte – mas antes nos comoveram tanto.
Não mudaram o mundo, mas mudaram a cada um de nós .
E hoje mais generosos e tolerantes, não desencantados nem tristes, ainda continuamos sonhando.
À noite ou na madrugada, na solidão e no silêncio sonhamos agora sonhos do passado.
Das memórias mais preciosas.
Só os órfãos de pai e mãe conhecem esses sonhos de abraços partidos e de afetos que se romperam para sempre.
Mas não são sonhos trágicos, ao contrário, nos confortam esses reencontros.
Esses cenários em que recuperamos nossos corpos de crianças a ponto de não desejarmos acordar nunca mais.
Assim vamos vivendo, entre sonho e realidade, uma vida dupla, um presente dos deuses para não nos deixar enlouquecer, para enganar a morte e a nós mesmos.
Nesses sonhos voltamos à juventude e aos cadernos de poesia .
Às noites de luar na praia deserta .
Ao escurinho do cinema e a amar e fazer amor delirante com quem já perdemos ou com quem só desejamos e imaginamos sem nunca conseguir.
São os sonhos em que os anjos surgem e nos aconselham e velam, até que um dia, uma noite os sonhos se tornem eternos ou haja o grande reencontro, o sonho maior de todos.
E quando isso acontecer e não sonharmos mais, outros depois de nós, como filhos de nossos sonhos, estarão também sonhando em mudar o mundo, realizar todas as fantasias e desejos e viver paixões eternas.
É o destino que nos foi determinado, sonhar com esses paraísos perdidos e castelos de areia que criamos e de cuja existência ou memória dependemos tanto.
Como forma de oração, de desejo, de consolo e redenção em todos os seus significados , símbolos e cores.
Principalmente aquela ,a dos sonhos azuis, que nos faz adormecer sorrindo.