por Celso Nascimento, publicado no jornal Gazeta do Povo
Rafael Greca cumpriu até agora duas semanas como prefeito de Curitiba. Ofegante, os sete primeiros dias passou num leito hospitalar para debelar o trombo que lhe entupiu perigosamente artérias pulmonares.
Dê-se-lhe, portanto, o benefício da exiguidade do tempo e do sofrimento físico pessoal como fatores para que, neste período, tenham sido produzidos mais factoides do que fatos. Ou fatos que mais se pareceram factoides destinados a produzir notícia e preencher as mentes dos mais desavisados.
Os exemplos mais marcantes:
• Adiou a Oficina de Música de Curitiba. “Enquanto houver dor, não haverá música em Curitiba”, decretou. O objetivo declarado foi o de economizar R$ 900 mil para empregá-los no sistema municipal de saúde, embora o valor seja equivalente a apenas 0,0003% do orçamento anual do setor. Isto mesmo: 0,0003%.
• À falta de remédios, de leitos nas UPAs, de dinheiro para hospitais e vagas em UTIs, pediu socorro ao ministério e à Secretaria Estadual de Saúde. Como bons aliados, ambos se prontificaram. Encenou-se então uma entrega de remédios, anunciou-se a liberação de R$ 4 milhões pelo governo do estado e verbas para pagar a conta dos hospitais. Quem abre os sites oficiais públicos para acompanhar a transferência de recursos da União e do estado encontra apenas zeros em 2017; os últimos repasses chegaram em dezembro. Medicamentos essenciais ainda continuam em falta; quem precisou de UTI teve de contar com a interferência pessoal do prefeito para arranjar uma vaga;
• Outros R$ 500 mil serão economizados com o corte de verbas para o carnaval curitibano, que, embora esquálido, é uma das poucas manifestações coletivas da periferia pobre da cidade.
• O guarda-volumes da praça Osório, que servia aos moradores de rua para proteger seus poucos pertences, foi fechado. E a praça, “devolvida às crianças”. Algo que muitos identificaram como expressão das políticas higienistas usuais nas décadas que precederam a 2.ª Guerra Mundial.
• Ruidosas batidas policiais e de fiscalização noturna fecharam bares na Vicente Machado, avenida em que mora o prefeito. Frequentadores foram revistados e dispersados, com exceção dos que foram presos. Foi o início, na quinta-feira (12), do programa Balada Segura criado “para garantir a vida e o divertimento sadio da mocidade curitibana. A ideia é combater os mercadores do mal”, sentenciou Rafael, como juiz, em sua página no Facebook.
• Alvos da balada segura foram também vendedores ambulantes, que, segundo Greca, além de churros e cachorros-quentes, também vendem drogas e não geram empregos. Foi um pré-anúncio para os ambulantes que, em meio à crise do desemprego, buscam sobreviver vendendo bugigangas no calçadão da Quinze. Podem estar com seus dias contados sem que, antes, lhes tenham sido oferecidas outras oportunidades de ganhar o pão de cada dia.
• Por falar no calçadão: Rafael prometeu para seu primeiro dia de governo fazer um “lava jato” para livrá-lo do cocô e do mau-cheiro produzidos pelos pobres moradores de rua. Não fez ainda. Preferiu adiar para o momento em que, já recuperado, puder participar do televisivo evento. Antes disso, a rua pode continuar suja.
• “Missa grátis não tem vela. Vela custa caro”. A parábola foi para anunciar que vem aumento da tarifa de ônibus de Curitiba, provavelmente em porcentual maior do que a inflação visando a devolver às empresas capacidade financeira para renovar a frota. Não se fala em mexer nos contratos.
De uma coisa não se pode queixar a população de Curitiba – o otimismo do prefeito é inabalável. Mal saído do hospital, declarou: “Vejo que já começamos a mudar Curitiba para melhor”. É tudo uma questão de estilo e cada político tem o seu. Para uns, mais vale aparecer do que fazer. Até agora o prefeito Greca está se saindo muito bem neste quesito.