7:37Voar é com os da capa preta

Da Folha de S.Paulo, em reportagem de Dimmi Amora

Tribunais gastam até R$ 55 mil com passagem de ministros para o exterior

Levantamento feito pela Folha mostra que, de 2013 a 2015, os custos dos tribunais superiores com voos internacionais foram de R$ 3 milhões por ano, em média –sendo que, em uma só viagem, foram desembolsados R$ 55 mil no bilhete de classe executiva de um ministro.

Os gastos se referem a viagens oficiais. Algumas passagens de magistrados, por exemplo, tiveram valor 12 vezes superior ao trecho na poltrona econômica comprado para outros servidores.

Os dados, em valores da época, foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Além das passagens, os ministros e servidores desses órgãos receberam diárias –algumas chegaram a R$ 65 mil. Só em 2015, o custo com elas foi de R$ 4 milhões.

O bilhete de R$ 55 mil foi para o ministro Walton Alencar, do TCU (Tribunal de Contas da União), que viajou em março de 2015 para Tbilisi, capital da Geórgia. O órgão informou os valores em dólar (US$ 16,9 mil, convertidos pelo câmbio da época). Além da passagem, ele recebeu extra de R$ 11 mil por sete dias.

Dois anos antes, Alencar havia gasto R$ 32,2 mil (na época, US$ 16,1 mil) em um voo para a China, daquela vez em primeira classe.

Foram considerados dados dos seguintes tribunais: STM (Superior Tribunal Militar), TSE (Tribunal Superior Eleitoral), TST (Tribunal Superior do Trabalho), STJ (Superior Tribunal de Justiça), TCU (Tribunal de Contas da União), além do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão de controle do Judiciário.

Embora não integre o Judiciário, o TCU tem prerrogativas similares às dos tribunais.

O STF, que gastou R$ 236 mil com passagens em 2015, foi o único que se recusou a informar dados em detalhes.

Com exceção do STJ, que passou a proibir voos de primeira classe a partir de 2014, não havia regra nos demais tribunais que impedisse viagens nessa categoria.

Só a partir de 2016 a Lei Orçamentária Anual proibiu a compra de passagens desse tipo para todos os servidores públicos federais, exceto para os chefes de Poder.

Ainda assim, foi mantido para ministros, comandantes militares, procuradores e subprocuradores, desembargadores e parlamentares o privilégio de passagens na poltrona executiva, mais cara que a econômica.

DISCREPÂNCIA

O TCU liderou em 2015 os gastos com passagens, com R$ 1,8 milhão, seguido pelo TSE, com R$ 664 mil.

Os ex-presidentes do TCU Augusto Nardes e Aroldo Cedraz fizeram em média uma viagem por mês nos anos em que estavam no comando do tribunal –Nardes, em 2013 e 2014, e Cedraz, em 2015.

As viagens de Cedraz em 2015 custaram US$ 52 mil (cerca de R$ 160 mil ao câmbio médio do ano), com trechos em primeira classe. As de Nardes, US$ 45 mil (R$ 90 mil) em 2013 e US$ 76 mil (R$ 160 mil) em 2014. Todas na categoria executiva.

A ministra Maria Elizabeth Guimarães Rocha, do STM, viajou nove vezes ao exterior em três anos. Em 2015, a passagem dela e do ministro Luiz Carlos Gomes de Mattos para Angola custou R$ 19,7 mil, enquanto a de uma servidora que embarcou no mesmo trecho saiu por R$ 6.700.

Em 2014, os ministros do TSE Luiz Fux, Luciana Lóssio e João Otávio de Noronha e o juiz auxiliar Nicolau Lupinhanes viajaram para Johanesburgo (África do Sul) com custos entre R$ 17,4 mil e R$ 18,5 mil pelos bilhetes. O tribunal pagou R$ 4.200 pela passagem de uma servidora.

As diárias, em alguns casos, podem somar valores superiores ao salário de um ministro. Foi o caso de Bruno Dantas, do TCU.

Numa viagem de quase um mês em 2015, identificada como “pesquisador visitante de um programa escolar” em Nova York (EUA), Dantas recebeu cerca de R$ 65 mil.

A frequência das viagens de alguns magistrados também chama a atenção. O ministro do STF Dias Toffoli, por exemplo, viajou em 2015, quando presidia o TSE, 13 vezes. Somente com passagens, o custo foi de R$ 149,4 mil.

OUTRO LADO

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) informou que as despesas com voos de ministros obedeceram “rigorosamente” as regras previstas e que todas as viagens foram para missões oficiais, sendo que nenhuma no período foi em primeira classe, o que foi definitivamente proibido em setembro de 2014 pelo tribunal.

Em nota, o STM (Superior Tribunal Militar) explicou que as aquisições das passagens listadas pela reportagem são justificadas por ato normativo de 2008 que não impedia a compra de bilhetes de primeira classe e que a diária dos ministros é, desde 2015, de US$ 727.

“Conforme também explanado, todas as viagens foram a serviço, após aprovação pelo plenário do ribunal, autorizando o referido magistrado ou servidor para se ausentar do país”, informou o órgão no comunicado.

De acordo com o TST (Tribunal Superior do Trabalho), foram emitidas passagens de primeira classe para seus ministros entre 2013 e 2015, dentro das normas previstas pelo tribunal e pelo CNJ e que “a partir do exercício de 2016, com a Lei nº 13.242 […] as passagens aéreas para ministros e magistrados de segundo grau estão limitadas à classe executiva”.

O TCU (Tribunal de Contas da União) informou que até novembro de 2014 a compra de passagem em primeira classe era permitida para ministros por portaria interna.

Em 2015, segundo o órgão, foram compradas passagens em primeira classe por “falta de disponibilidade em outras classes” para os ministros Bruno Dantas e Aroldo Cedraz. O órgão informou ainda que os valores de diárias são disciplinados por norma interna, variando de US$ 325 a US$ 691 –valor pago ao ministro Bruno Dantas.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) informou que está consolidando as suas normas, entre elas a de aquisição de passagens.O ministro Augusto Nardes informou que o órgão assumiu pela primeira vez em 50 anos, durante sua gestão, a presidência da Olacefs (Organização Latino-americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores) e que, por isso, foi necessário fazer as viagens internacionais para eventos dessa instituição.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não se manifestou sobre o assunto até a conclusão desta edição.

*

SUPREMO BARRA HÁ 8 MESES INFORMAÇÕES SOBRE VIAGENS

O STF (Supremo Tribunal Federal) se recusa a fornecer os dados detalhados sobre viagens e diárias de seus ministros e servidores.

O primeiro pedido pela Lei de Acesso à Informação foi protocolado pela Folha em 25 de abril, durante a gestão do ministro Ricardo Lewandowski na presidência da Corte. Até o fim do mandato dele, em setembro, a solicitação de dados não foi respondida, apesar dos requerimentos.

A lei determina que o pedido seja atendido em até 30 dias. Todos os outros tribunais a cumpriram.

Somente em 2015, o STF gastou R$ 236 mil com passagens aéreas, além de outros R$ 369 mil com diárias para viagens internacionais, de acordo com dados do Orçamento disponíveis no Senado.

Não há detalhes, porém, sobre como os valores foram gastos –por isso, a reportagem solicitou as listas aos órgãos superiores.

No dia 12 de setembro, quando a ministra Cármen Lúcia tomou posse na presidência do STF, a Folha reiterou o pedido.

Em resposta, foi solicitada uma prorrogação de prazo devido à “grande quantidade de informações, o que está sendo providenciado pela seção responsável pela emissão de passagens aéreas e pagamento de diárias”.

Decorridos os 30 dias de prazo, foi feita nova solicitação, e a resposta em 22 de novembro foi de que o órgão estava “preparando a divulgação ativa dessas informações (gasto com passagens e diárias) no site do Supremo Tribunal Federal” e, enquanto não fosse concluída essa fase de preparação, o tribunal não atenderia a “pedidos individuais para não atrasar ainda mais a divulgação”.

Até a conclusão desta edição, as informações não haviam sido publicadas.

Pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2013, Cármem Lúcia teve passagem de R$ 14,4 mil para a Itália que, segundo o órgão, “não foi de primeira classe”. Os dados de viagens de Lewandowski pelo CNJ aparecem sem o valor das passagens.

 

Uma ideia sobre “Voar é com os da capa preta

  1. zangado

    Não se tem notícia de ministros ou procuradores de países sérios viajando seguidamente ao exterior, torrando dinheiro público; em país de 5ª categoria sim, eles vão ao exterior mas não conseguem aprender com os ministros e procuradores de lá.

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