por Drauzio Varella
As festas acabaram, mal posso acreditar. Essa época do ano não é fácil para mim.
Fico agoniado com a chegada de dezembro. Nem terminou o mês anterior, as lojas e os shoppings já se engalanam com árvores de plástico, abarrotadas de bolas pendentes sem o menor compromisso com a harmonia das cores, laços de fita reluzentes de purpurina enrolados em guirlandas de flores artificiais e, para completar, a presença sorridente de Papai Noel.
Embora reconheça que o bom velhinho encanta o imaginário infantil e reforça o orçamento doméstico de alguns senhores com excesso de peso, não consigo compreender como um ser importado das catacumbas do inverno no hemisfério norte, com gorro na cabeça, barba postiça, botas e roupa abafada consegue sobreviver nestas paragens, por tantas décadas.
E as renas e o trenó? E as chaminés e os flocos de algodão que imitam neve? Do ponto de vista estético, convenhamos que as imagens utilizadas para criar o clima de Natal, além de impróprias para os trópicos, são cafonas, sobretudo.
A aproximação do dia 25 provoca um frenesi incontrolável na população. O nascimento do filho de Deus no cestinho de palha na manjedoura é comemorado com uma fúria consumista que toma conta do mundo: há que comprar presentes para as crianças, pais, mães e a parentalha toda.
Nos telejornais, as imagens das multidões que abrem caminho entre sacolas, embrulhos e gente suada que mal consegue se mexer na 25 de Março são as expressões mais vivas do chamado espírito natalino.
Nas famílias com algum poder aquisitivo as crianças recebem tantos presentes que ficam muito mais excitadas em abrir os pacotes do que em olhar o conteúdo.
As provações mais cruéis, no entanto, são impostas pelo trânsito e o calor que se agrava a cada ano. Ficar preso nos engarrafamentos em temperaturas acima de 30ºC, numa cidade emparedada como São Paulo, é experimentar a sensação de estar num crematório. Depois de uma hora nesse martírio, o cidadão conclui que o inferno talvez não seja insuportável, como dizem.
Calor assim, não é para gente civilizada. Nessas horas sufocantes, meu único consolo é pensar na infelicidade dos Papais Noéis espalhados pelas lojas do país inteiro, vestindo roupas de tecido sintético, tirando foto com as criancinhas no colo e sorrindo com bondade no meio da barba branca.
A despeito da crise financeira, os bares são tomados por hordas ruidosas que avançam sobre as porções de fritas, calabresa e provolone espalhadas entre centenas de garrafas de cerveja. É o pessoal das firmas. Inebriados pelo álcool, não se cansam de abraçar, desejar feliz Natal e jurar amizade eterna a colegas que talvez odeiem. Sentar nas imediações de uma mesa dessas é um convite ao mutismo, um atentado contra a audição humana.
Para quem o trabalho não dá trégua, como livrar-se dos convites para almoços, jantares e as reuniões de congraçamento? Se você aceita, vai comer e beber mais do que devia, tirar fotos e aguentar mais gente chata do que gostaria, caso contrário, dirão que você é metido a besta.
As festividades de Natal contradizem o dito popular: “não há mal que sempre dure”. Basta ficarmos livres delas, surge o tormento do Ano-Novo.
A aproximação da última noite do ano provoca uma neurose de movimento que deixa as pessoas desesperadas para sair do local em que se encontram. As pressões familiares para viajar ficam insuportáveis; impossível resistir. Conciliar no seio da família os interesses de cada um exige habilidade circense.
Passagens e hotéis a preços abusivos, carros cheios de crianças em estradas que parecem pátios de estacionamento, praias sem espaço para uma esteira, filas em padarias e supermercados, duas horas de espera por um filé com fritas no restaurante, cerveja quente, falta de água, não há tormento capaz de roubar a esperança da felicidade plena que chegará pontualmente à meia-noite do dia 31.
Na manhã seguinte, lixo e garrafas nas ruas e nas praias, sede insaciável, dor de cabeça e os preparativos para a viagem de volta.
Acabou, caro leitor, finalmente. Só não digo graças a Deus, porque não acho que Ele tenha alguma coisa a ver com isso.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Dráuzio Varella é um dos seres mais chatos que existe. Só faltou escrever que as festas de final de ano, fazem mal a saúde e expõe o abismo social do país.