12:36O livro do ano que você não leu

por Sérgio Rodriguess

Lamentei não encontrar em nenhuma lista de livros do ano aquele que é, sem dúvida, um dos mais importantes lançamentos de 2016 no Brasil: “História Sociopolítica da Língua Portuguesa” (Parábola Editorial), de Carlos Alberto Faraco.

Professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, da qual foi reitor, Faraco é um dos expoentes da sociolinguística brasileira. Isso quer dizer que se situa no campo oposto ao dos gramáticos normativos. Está interessado em compreender a língua pelo que ela é e não por aquilo que um comitê de sábios –quase todos portugueses– um dia decretou que deveria ser.

A sociolinguística é o saber dominante nas faculdades de letras há décadas, mas fora delas vive cercada de mal-entendidos. A incompreensão de sua mensagem –que é culturalmente vital e arejada, em oposição ao beletrismo lusófilo– é em parte um mal autoinfligido. Quando o rigor analítico dá lugar ao ativismo populista, abre-se a porta para a confusão.

Ao contrário do que grande parte da população imagina, a sociolinguística não hostiliza os falantes da norma culta nem defende o vale-tudo gramatical. O problema é que, tendo ouvido cantar um galo distante, seus militantes de rede social fazem exatamente isso.

O novo livro de Faraco é uma boa demonstração do que um olhar sociolinguístico rigoroso consegue elucidar sobre a língua. Entre ensaios acadêmicos e títulos didáticos e paradidáticos, o autor tem uma obra vasta, mas nunca havia empreendido um esforço de tamanho fôlego.

Com 400 páginas, “História Sociopolítica da Língua Portuguesa” é um livro de grande concisão. Tanto pelo que abrange cronologicamente, desde a ocupação da Península Ibérica pelos romanos, quanto pela multiplicidade de pontos de vista que convoca e examina ao longo do caminho.

Mitos de raízes profundas são arrancados sem dó. Um exemplo de cascata em que eu acreditava: a de que a língua geral dos bandeirantes, um idioma mestiço de base tupi, foi extinta pelo Marquês de Pombal com uma canetada. Observa Faraco que uma crença como essa trai a “excessiva confiança que a cultura de raiz ibérica costuma pôr em textos legais”.Não me consta que algum dia tenha sido sequer tentada uma consolidação tão abrangente de estudos históricos sobre nossa língua. Só a bibliografia ocupa 18 páginas em letra miúda.

As razões para que o idioma do colonizador tenha se imposto de forma tão categórica sobre as línguas gerais brasileiras –que eram duas, a paulista e a amazônica– são bem mais complexas. Tão complexas que não cabem aqui. Que fique a lacuna como estímulo à leitura do livro.

Não se trata de uma história pop, cheia de peripécias e colorido humano, como as que os canadenses Jean-Benoît Nadeau e Julie Barlow lançaram recentemente sobre o francês e o espanhol. Mesmo relatando episódios em que um floreio narrativo cairia bem, Faraco é um acadêmico de sobriedade invencível.

A boa notícia é que o livro passa longe do jargão. Ninguém precisa ser linguista para acompanhar a história de um dos idiomas mais importantes do mundo desde o nascimento até os desafios que enfrenta hoje –entre eles, os baixos índices socioeconômicos dos países que o falam e o fato de Brasil e Portugal ainda lutarem para vencer resistências paroquiais e coordenar ações comuns.

 

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