22:08ZÉ DA SILVA

A boca que cospe chumbo de uma Colt 45 tinindo apontada para o ouvido do sujeito faz ele refrescar a memória na hora – e sujar a calça ao mesmo instante. Não, não era para o meu que a metranca estava apontada. Era para ele, que não me conhecia, mas quis me foder porque, dizia com empáfia, aquela era a missão dele na Terra. Ok. Peguei o bicho pelo colarinho engomado e arranquei-o do carro numa única puxada. A quadradona estava em minha mão direita. Comprei-a na caixa, zerada, cabo de madrepérola, e com muita munição. Comecei a alisar o gatilho com com o indicador direito. A rua do condomínio de bacana era do jeito que sempre é – asséptica, sem vida, sem nada – apenas casarões com arquitetura digna dos que ganham muito dinheiro, mas valorizam só isso. Fiz o cabra abrir a casa. Estava sozinho. Eu sabia disso. A decoração era do tipo que a família viu na revista de enganar trouxa e achou que era “in”. Eu só perguntei porque ele tinha feito aquilo, mas aí a boca do cano estava beijando a testa suada do fulano, que achava dominar o mundo porque falava e escrevia naquela linguagem incompreensível. Ele disse que era encomenda. Pedi o nome. Ele deu enquanto um rastro de mijo escorria no piso de mármore com aquecimento. Ordenei que ele olhasse bem pra minha cara. Ele olhou, tremendo. Avisei que era para nunca esquecer, porque, se me visse novamente, ia estourar seus miolos. Foi isso que fiz logo depois com o dono do nome que ele apontou. A 45 funcionou perfeitamente. Fui descansar com a certeza de que nada mais iria me incomodar por um bom tempo. Ao entrar em casa os filhos me abraçaram, a mulher me deu um beijo e perguntou se eu tinha passado bem o dia bem. Eu disse que sim, porque a missão divina tinha cumprido. Ela não quis saber qual. Nunca pergunta. Se perguntasse, responderia: “Eu atiro, quem mata é Deus”.

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