por Braulio Tavares
Há uma frase clássica, que não sei se é ainda em latim ou já em italiano, que diz: “Cui bono?”. Significa: “Beneficia a quem? A quem favorece? A quem interessa?” Tudo no mundo, no meio das relações sociais, traz vantagens para Fulano ou para Sicrano. Na literatura policial surge de vez em quando essa perguntinha básica. O sr. Fulano dos Anzóis foi morto por pessoa ou pessoas desconhecidas. A quem beneficiou essa morte?
Sempre que uma coisa começa a acontecer repetidamente, com força, com insistência, eu me pergunto: “Cui bono?” Vejam, p. ex., o Tribunal do Facebook. É impressionante como as redes sociais, a de Zuckerberg principalmente, instilam nas pessoas esse espírito tribunalício. Cada um se senta em sua cadeira de mogno, de espaldar alto, vestido de preto, tendo na cabeça aquela ridículas perucas século 17 dos juízes ingleses, com um martelo na mão e uma tropa de guardas de prontidão. Abre o feice e começa a esquadrinhar as postagens, em busca de alguém a quem condenar.
Se você se indigna contra alguma coisa (gays espancados, mulheres assediadas, índios perseguidos, professores demitidos, empregadas exploradas), de nada adianta: o Juiz vai acusá-lo de indignação seletiva, porque denunciar um mal é sempre calar sobre todos os outros. (Toda indignação é seletiva. Não se pode ter conhecimento de todas as injustiças do mundo, nem indignar-se na mesma medida com uma dúzia delas, se forem tudo de que temos conhecimento.)
O tribunal do Facebook está desenvolvendo com uma rapidez impressionante, neste país (em outros também, provavelmente) a nossa capacidade de apontar o dedo, de julgar, de condenar, de castigar. Estamos ficando como aqueles puritanos da Nova Inglaterra que queimavam bruxas. Estamos nos transformando naquelas pessoas que investigam malfeitos e castigam malfeitores, não porque tenham amor e dedicação a algum Bem superior, mas porque amam o castigo em si, amam castigar, amam vigiar e punir. Cui bono? A quem beneficia esse estado de coisas?
A grande tática dos regimes totalitários em sua fase de ascensão – que é o que parece estar acontecendo aqui – é a de desunir a população, jogar grupo contra grupo, vizinho contra vizinho, cidade contra cidade, região contra região, profissão contra profissão, raça contra raça, fé contra fé. Enquanto nós, os massacrados pela lavagem cerebral, estamos cuspindo baba venenosa uns contra os outros, eles vão construindo seu muro, um tijolinho jurídico por dia, uma parede legislativa por semana. O tribunal do Facebook julga, achincalha, ridiculariza, fofoca, produz mentiras e calúnias compartilhadas aos milhões, entra dia, sai dia. Cui bono?
*Braulio Tavares vive no Rio. É escritor, publica no Jornal da Paraíba e mantém o blog Mundo Fantasmo.