por Célio Heitor Guimarães
Carlos Castello Branco, o Castelinho, piauiense de boa têmpera, foi o mais respeitado colunista político do Brasil. Durante décadas manteve o país informado do que acontecia e não acontecia no cenário público nacional. Muito mais do que isso, porém, ensinou o leitor a ler nas entrelinhas e compreender o jogo do poder. A contragosto, foi assessor de imprensa de Jânio Quadros no Palácio do Planalto e coube a ele anunciar à Nação o destemperado ato do irresponsável presidente na manhã de 25 de agosto de 1961. Cumpriu a tarefa e voltou às páginas de O Cruzeiro e à Coluna do Castello, leitura obrigatória por mais de trinta anos, no Jornal do Brasil.
Por merecimento, vestiu o fardão da Academia Brasileira de Letras e orgulhou como poucos a profissão de jornalista.
Mas Castelinho tinha uma mágoa profunda, que o acompanharia até a morte. Perdera o filho Rodrigo, jovem de futuro promissor, em um estranho acidente de carro em maio de 1976. O jovem dirigia pelas avenidas de Brasília quando o carro bateu uma das rodas dianteiras no meio fio e capotou. A perícia concluiu que Rodrigo perdera o controle da direção. Nada disse, porém, sobre os indícios de que o cilindro mestre do freio, o popular “burrinho”, teria sido mexido, de modo que o conteúdo vazasse quando o sistema de freios fosse acionado bruscamente. Na época, falou-se muito de sabotagem e acidente encomendado. Castello preferiu ignorar e justificou à mulher, Élvia, que precisava manter a alma e o espírito limpos para poder continuar trabalhando com isenção. Continuou, mas aquilo o incomodaria a vida toda.
Sobretudo depois que, em uma conversa com João Goulart, em um hotel de Paris, ouviu do ex-presidente a afirmativa:
– Eles matam pessoas, Castello!
Naquele ano, morreram, de forma igualmente estranha, Juscelino Kubitschek e o próprio Jango. Carlos Lacerda, no ano seguinte.
Essa narrativa, assim como outras de precioso valor estão no livro “Todo aquele Imenso Mar de Liberdade – A dura vida do jornalista Carlos Castello Branco”, de Carlos Marchi, já em 2ª edição, lançado pela Record.
Praticamente sobre o mesmo tema, acaba de chegar às livrarias “Jornal do Brasil – História e Memória”, de Belisa Ribeiro, também editado pela Record. Experiente jornalista, Belisa oferece um retrato dos bastidores das mais marcantes edições do tradicional diário carioca, uma das mais importantes escolas de jornalismo do Brasil.
Quando o ditador Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº 5, na sexta-feira 13 de dezembro de 1968, fechando a Câmara dos Deputados, extinguindo o habeas corpus e colocando milicos dentro dos jornais, o JB foi de uma criatividade histórica: oferecia cópias falsas de páginas, encharcadas de tinta, aos censores, que lambuzavam as mãos e sujavam as fardas, e publicava outras diferentes no dia seguinte. Além do que, utilizava a inteligência, que os censores não tinham, para dar o recado.
Conta Belisa que, naquela sexta, o editor-chefe Alberto Dines circulava pela redação, acompanhado pelos representantes da Censura, que ali chegaram para conferir se o JB estava cumprindo as ordens da ditadura. Ao passar por Roberto Quintais, do corpo de copidesques do jornal, indagou:
– Quintais, você já viu o tempo?
E ante a resposta afirmativa do subordinado, emendou: “Então, usa os atos para fazer a previsão do tempo para amanhã”.
No dia seguinte, no quadrinho do tempo, publicado no alto da primeira página, ao lado do logomarca do jornal, a previsão de Quintais:
“Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38º, em Brasília. Mín.: 5º, nas Laranjeiras”.
Aliás, toda a edição do JB do sábado 14 foi muito estranha, sobretudo a primeira página, que fugiu aos padrões do jornal. Normalmente, os classificados eram publicados na capa, em formato de um L. Naquele dia, estavam espalhados entre as notícias. Partes do AI-5 e do Ato Complementar foram reproduzidas. Mas logo abaixo da foto do marechal-presidente e dos ministros militares, outra foto se destacava. A de Garrincha, de semblante desolado e com uma multidão de torcedores ao fundo. A legenda informava a expulsão do craque na Copa do Chile, em 1962. A notícia era velha, mas serviu para justificar o título, em maiúsculas, da manchete: “HORA DRAMÁTICA”.
É certo que os censores logo perderiam o ingenuidade, a truculência evoluiu e vários jornalistas, inclusive o próprio Dines, foram várias vezes recolhidos “aos costumes” e maltratados como inimigos da pátria armada.
E depois ainda tem gente insensata que pede a volta dos militares ao poder. Não sabem o que dizem.
PS – Esta coluna é dedicada aos atuais jornalistas políticos – representados nas figuras maiúsculas dos nossos Celso Nascimento e Rogério Galindo – que continuam amando a profissão e têm tido a necessária coragem para exercê-la com dignidade e inteligência. Até porque como também disse o antes referido Roberto Quintais, no livro de Belisa, “jornalista é que nem onça, nunca perde as pintas”. Graças a Deus!