Do blog Cabeça de Pedra
A distância entre o andar de cima e o de baixo era de milhões de anos luz. Foi num lugar onde entrei para trabalhar e, macaco velho, tirava sarro de quem poderia ser meu patrão – porque ele só pensava em dinheiro. Boa praça. Bem embaixo da sala dele ficava outra, onde a turma que produzia o material para o produto da sua negociação ralava todo dia. Ali estava um guri com pouca noção do que se tratava tudo aquilo; Universitário, morador do subúrbio, vários irmãos de pais diferentes. Enquanto o de cima andava de jatinho, ele se apertava em dois ônibus para ir e voltar de casa para aquele templo de consumo. Não sabia direito o que queria da vida. O outro, de cima, sabia muito bem. E tinha todos os contatos para tal, além de perseverança. O combustível do de baixo ainda não tinha aparecido, ou seja, a chama, o fogo da paixão pela profissão. Uma escada separava o patrão do talvez futuro empregado. O de baixo nunca subia os degraus. O de cima subia, descia, passava sem prestar muita atenção no garoto. Tímido, este olhava o poderoso desfilando no saguão de pé direito altíssimo e, depois que saía do prédio, se deparava com uma igreja pintada toda de azul. Fazia o sinal da cruz. Ninguém nunca soube para que. Nem ele.