10:42A lista dos inelegíveis e o problema do conteúdo das decisões dos Tribunais de Contas

por Moisés Pessuti*

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná veiculou notícia[2] em 03/12 informando que “as 399 Câmaras Municipais do Paraná devem encaminhar o resultado do julgamento das contas dos prefeitos referentes aos oito últimos exercícios financeiros.” A determinação consta do Ofício nº 07/2015, enviado pelo presidente do TCE-PR, Conselheiro Ivan Lelis Bonilha, às Câmaras.

Segundo consta na matéria, “o objetivo da medida é verificar o atual estágio desses julgamentos e aferir a efetividade na adoção das conclusões do TCE-PR expressas nos pareceres prévios”. Isto porque, para contextualizar o assunto, “após o trânsito em julgado da prestação de contas anual do prefeito, o Tribunal encaminha seu parecer (recomendando a aprovação, aprovação com ressalvas ou desaprovação das contas) à respectiva câmara municipal”, uma vez que, como bem informou a notícia, “a legislação determina que cabe aos vereadores julgar as contas”, sendo que “para desconsiderar a conclusão do parecer do TCE são necessários dois terços dos votos dos vereadores.

Muito embora não seja competência do Tribunal de Contas o julgamento da prestação de contas anual do prefeito, a bem da verdade, o que a Corte pretende com isso é melhor informar a famigerada “Lista dos Inelegíveis”, como é erroneamente chamada a “Lista dos Agentes Públicos com contas julgadas irregulares”. Erroneamente porque não é regra a cominação de inelegibilidade ao agente que tem seu nome veiculado na referida lista. E é isso que pretendo abordar adiante.

O art. 14, § 9º, da Constituição Federal determina que:

Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Em atendimento a esse dispositivo constitucional, foi editada a Lei Complementar nº 64/1990 (Lei das Inelegibilidades), posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). A referida LC, em seu art. 1º, previu a inelegibilidade de gestores que tiverem contas julgadas irregulares, verbis:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

(…)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

Nesse mesmo sentido, o art. 11 da Lei nº 9.504/1997 (Lei Eleitoral), recentemente alterado pela Lei nº 13.165/2015 (fruto da recente Reforma Política), estabelece as normas para as eleições, dispôs que:

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições.

(…)

§ 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.

 

Portanto, nessa lista poderão constar pessoas que não atuaram como ordenadores de despesas. Até mesmo particulares que participaram das irregularidades ou delas se beneficiaram poderão ter seus nomes incluídos nessa relação. O período abrangido pela lista sob comento é de 8 anos, contados a partir da data do trânsito em julgado do processo de contas até a data da eleição.

É importante observar que:

a) a lista se refere a condenações em processos de contas. Assim, aqueles a quem foram aplicadas sanções em outros tipos de processo (representação ou auditoria, por exemplo) não terão seus nomes relacionados;

b) é possível atualizar a lista após seu envio para a Justiça Eleitoral, por meio da inclusão ou exclusão de algum nome, desde que o responsável em questão passe a se enquadrar ou deixe de atender aos critérios legais;

c) o pagamento do débito imputado ou da multa aplicada não enseja a exclusão do responsável da lista, uma vez que o julgamento pela irregularidade das contas permanece (ao contrário do que pensam muitos Agentes Públicos e Políticos)

Reitero que o fato de ter seu nome veiculado na lista do TCE não implica necessariamente na inelegibilidade de determinado agente público. É preciso que estejam configurados todos os requisitos previstos no art. 1º, inc. I, alínea ‘g’, da Lei das Inelegibilidades para que seja declarada a inelegibilidade.

Ainda, a declaração de inelegibilidade é de competência exclusiva da Justiça Eleitoral, e segundo entendimentos pacificados do Tribunal Superior Eleitoral:

a) não compete à Justiça Eleitoral analisar o acerto ou não da decisão que julgou irregulares as contas do responsável (Respe nº 259-86/SP – Relatora Ministra Luciana Lóssio); e

b) não cabe à Justiça Eleitoral analisar o nível de responsabilidade do administrador, mas sim ao órgão julgador das contas. À Justiça Eleitoral compete aferir apenas a incidência da inelegibilidade. (Respe nº 115-43/SP – Relator Ministro Dias Toffoli).

Ou seja, a Justiça Eleitoral se baseia única e exclusivamente no teor das decisões dos Tribunais de Contas para aferir se há ou não o atendimento aos requisitos que informam a inelegibilidade, no exercício legítimo do ‘juízo de valor’ a respeito do ‘enquadramento jurídico’ das irregularidades constatadas.

E aí é que está o problema: no conteúdo das decisões dos Tribunais de Contas.

É cediço que as contas de governo retratam a situação das finanças da unidade federativa, englobando as contas de todos os poderes, como resultado do exercício financeiro e revelam a execução do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, bem como níveis de endividamento, limites de gasto mínimo e máximo previstos para saúde, educação e pessoal.

Entretanto, muito embora tenha havido sensível melhora das estruturas e mecanismos de controle e análise de gestão nos Tribunais de Contas, muito por conta do avanço tecnológico, é notório que o sistema carece de maiores aperfeiçoamentos no sentido de garantir um processo administrativo que efetivamente busque a verdade material, contemplando o amplo direito de defesa e com a participação de todos os agentes envolvidos na gestão, inclusive daqueles cujas condutas, ainda que indiretas ao ato irregular, necessitam maiores esclarecimentos, tudo com vistas a identificar o que, de fato, levou à desaprovação da respectiva conta.

Como visto alhures, com o advento da Lei da Ficha Limpa, para que se configure a inelegibilidade, faz-se necessário demonstrar que a irregularidade que motivou a rejeição das contas configura ‘ato doloso de improbidade administrativa’. Dessa forma, apenas podem gerar a inelegibilidade os atos de improbidade administrativa tipificados em lei praticados de forma dolosa.

Em razão da gravidade das sanções previstas, tanto na Lei de Improbidade Administrativa, quanto na Lei de Inelegibilidades, a análise sobre o elemento volitivo da conduta deve ser realizada com cautela de forma a afastar mera irregularidade dissociada do dolo, podendo não vir a ser caracterizada a prática de um ato de improbidade administrativa.

Em se tratando de condutas que violam a Lei de Responsabilidade Fiscal, legislação essa praticamente orienta o julgamento das Prestações de Contas Anuais de Prefeitos, esse campo de análise é ainda mais complexo, na medida em que sua aplicação na gestão se dá numa ação integrada de toda a Administração Pública, por todo o corpo de servidores, ordenadores de despesa e responsáveis pela gestão fiscal.

Nesse sentido, considerando que o dolo é conduta personalíssima, é preciso garantir que exista, no bojo do processo de prestação de contas, uma delimitação específica de quais foram as irregularidades que culminaram na desaprovação ou opinativo pela desaprovação das contas, delimitando ainda, especificamente, todos os agentes públicos que para ela concorreram, em menor ou maior grau, de modo a permitir à Justiça Eleitoral uma análise efetiva do elemento volitivo da conduta que culminou em irregularidade.

 

*Advogado e Consultor Jurídico; Pós-graduado em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar; Pós-graduado em Direito e Processo Eleitoral pelo UniCuritiba; Secretário-Geral da Comissão de Gestão Pública e Controle da Administração da OAB/PR; Membro Fundador e Tesoureiro do IPRADE – Instituto Paranaense de Direito Eleitoral; Membro Fundador e Secretário Adjunto da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político; Professor do UNINTER e INFOCO. Professor convidado de Direito Eleitoral da Universidade Positivo. Ex-membro do Conselho de Administração da ITAIPU BINACIONAL

[2] Câmaras têm 30 dias para informar sobre o julgamento das contas de prefeitos. Disponível em http://www1.tce.pr.gov.br/noticias/camaras-tem-30-dias-para-informar-sobre-o-julgamento-das-contas-de-prefeitos/3698/N . Acessado em 04/12/2015.

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