Você não tem a mínima ideia do que é ser craquelento. Eu sou. O que passa na televisão é só o verniz. O tutano do osso é de trincar o cano. Comecei na cerveja, fumei maconha, cheirei cocaína e cheguei no cachimbo da loucura. Não sou vagabundo. Trabalho em multinacional. Já fui internado várias vezes. Recaio. Vendo até a mãe por uma pedra. Da última vez, além de todos os móveis da casa, troquei até as louças novas do banheiro que estava acabando de fazer. Por pedra. Como não tinha mais nada, fui até o mocó do “patrão” na favela. Ofereci minha carteira de identidade como garantia para depois trazer a grana do pagamento da droga. Estava na maior fissura. Ele deu risada. Mostrou então uma pilha de certificados de carros novos. Assinados. Muitos não voltavam depois de saírem com pedras. Carro de 30 mil reais – 500 de pedra. Muitos perdiam o veículo. O chefe me levou até um mocó onde estavam internados os que não queriam mais sair dali. Não achei triste. Eu também queria ficar. Ele disse que tinha um exército ali. De zumbis, mas exército. Porque era só pedir para um deles matar alguém ou uma família inteira para pagar com crack – e eles faziam. Nessa hora eu tive um choque e lembrei da notícia de um bebê assassinado com tiro na cabeça nessa guerra. Vomitei numa vala de esgoto. Limpei a boca e fui embora. Ainda não sei pra onde, mas fui.