por Ruy Castro
Quando morrer, não quero ir para o céu. Quero ir para um sebo. Já escrevi isto algumas vezes e é o que sempre escrevo quando, em visita a algum sebo, o livreiro me pede que deixe uma mensagem para seus clientes. Nesse caso, em vez de generalizar, cito logo o nome do sebo. E não é demagogia. Nunca entrei em um sebo em que, com tempo para explorá-lo, não achasse algo interessante. Isso inclui os livros humildemente expostos nas calçadas sobre uma folha de jornal.
Numa calçada da Cinelândia, há 20 anos, encontrei o “Poesias Reunidas O. Andrade”, de 1945, com dedicatória de Oswald para Vinicius de Moraes datada de 1946. Fico imaginando o trajeto de um livro, da mesa do autor que o autografa, até, 50 anos depois, um pedaço de chão em outra cidade, e o que lhe aconteceu no entrementes. O “Poesias” de Oswald nunca chegou a Vinicius, já morando em Los Angeles em 1946. Preço do livro no chão: R$ 1.
Metade dos livros que juntei pela vida deve ter vindo dos sebos. Não por serem mais baratos, mas por serem velhos, mesmo. Gosto de livros antigos porque são bonitos –e antigos. A ideia de que pertenceram a alguém antes de mim e que, talvez por morte dessa pessoa, estejam de novo à venda, me faz pensar que estou lhes concedendo uma sobrevida.
Para mim, livro “antigo” é qualquer um de 1960 para trás. Por aí se vê que não sou um colecionador sério, dos que disputam Bíblias de Gutenberg. Uma de minhas maiores emoções foi achar num sebo os cinco volumes da coleção de Charlie Chan, dos anos 50, pela querida Vecchi.
Até hoje, quando uma dúvida me assalta sobre se vale a pena continuar escrevendo, vou à estante, pego alguns dos livros de Charlie Chan, com aquelas capas cheias de vermelhos e amarelos –”Atrás da Cortina”, “O Papagaio Chinês”, “O Camelo Preto”–, e concluo que vale, sim.
*Publicado na Folha de S.Paulo