por Elio Gaspari
As coisas até que poderiam ir bem para a doutora Dilma, pois Eduardo Cunha está parado, e Aécio Neves, calado. Contudo, seu governo parece ter entrado num processo de autocombustão. Na semana passada viu-se o ministro da Fazenda defendendo lealmente um tributo que não inventara. O “bunker” do Planalto já havia desistido, esquecendo-se de avisá-lo. (Ou lembrando-se de esquecê-lo).
Nesse “bunker” ficam a doutora Dilma, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e mais alguns devotos que a chamam de “presidenta”. Reclamam dos outros e, sempre que podem, elogiam-se. Menos de uma semana depois do vexame da CPMF, Levy cancelou seu embarque num voo para a Turquia e foi ao Planalto para uma reunião. Nada de mais, até o momento em que Mercadante informou que “a reunião estava agendada”. A ser verdade, o episódio mostraria que o Planalto agenda reuniões sem falar com os ministros ou Levy, mesmo sabendo que tinha esse compromisso, preferiu manter o horário do seu voo. A realidade era pior: a reunião nunca fora agendada. O Planalto tem uma verdade própria e diz o que quer. Os comissários ainda não perceberam que a popularidade da doutora deteriorou-se antes da percepção da crise econômica. Ela decorreu da falta de credibilidade que atingiu Dilma Rousseff (pelas suas promessas de campanha) e arrastou um governo que desligou-se da realidade. Afinal, o comissariado diz que a crise econômica é internacional, seu reflexo no Brasil é “transitório” e tudo vai acabar bem porque “temos um projeto”.
Quando o vice-presidente Michel Temer diz que “ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo” de 7% de aprovação, vê-se que há algo no ar além dos aviões de carreira. Temer não dá “boa noite” sem pensar duas vezes e já dissera que o país precisa de alguém que “tenha a capacidade de reunificar a todos”. Ele assegura que não há conspiração contra Dilma. Não precisa. Quando um presidente derrete, o vice ascende por gravidade. Itamar Franco era um vice irrelevante e não precisou conspirar contra Fernando Collor. Temer, pelo contrário, até outro dia era o coordenador político do Planalto e guarda respeitoso silêncio a respeito dos motivos que o levaram a deixar o cargo saindo pela escada de incêndio.
Um governo sem liderança parlamentar nem sistema operacional fabrica crises a partir do nada. Um sujeito pode estar gripado e pendurado no cheque especial, mas não precisa aparecer no trabalho sem o sapato do pé esquerdo.
Sempre que não sabe o que fazer, o comissariado propõe pactos à sociedade. A turma do “bunker” poderia marcar uma reunião propondo-se um pacto elementar: o de não fazer novas bobagens.
*Publicado na Folha de S.Paulo