7:41O verdadeiro crime de Dirceu

por Paulo Nogueira*

Uma jovem jornalista me pergunta pelo Messenger: “Mas afinal o que o Dirceu fez?”

Ela confessa a extrema dificuldade de entender.

Primeiro, há um massacre unitilateral. Toda a mídia, abastecida pela Justiça amiga, se concentra em publicar horrores de Dirceu.

As acusações parecem um catálogo telefônico daqueles de antigamente.

E a defesa como que não existe.

Dirceu já foi julgado e condenado pelo noticiário.

Tenho para mim que o Caso Dirceu só vai ser devidamente conhecido e esclarecido pela posteridade, quando o fogo das paixões políticas do momento já for coisa do passado.

Dentro desse quadro irracional é que se deve entender certas manifestações sobre Dirceu.

Um procurador da Lava Jato disse, por exemplo, que Dirceu deve ser condenado no mínimo a 30 anos de prisão.

Que conta fez esse procurador?

Os juízes do Mensalão entraram para o anedotário da Justiça quando se puseram a calcular, com ares científicos de Newton e Einstein, a “dosimetria”.

Era a dose – esdrúxula, de resto – de penas para os condenados.

A “dosimetria” do procurador para Dirceu é patética.

Trinta anos, para um homem que chega aos 70, significam a morte na prisão.

Mas não é este exatamente o ponto.

Vamos para uma terra altamente civilizada, a Escandinávia. Veja como os noruegueses trataram o caso Anders Breivik, o maníaco de direita que matou mais de 70 jovens sob o protexto alucinado de salvar seu país da ameaça muçulmana.

Breivik foi condenado a 19 anos de cadeia, a pena máxima da Noruega. Caso ele, no fim da sentença, continue a representar uma ameaça à sociedade, o caso será rediscutido.

É assim que os noruegueses enxergam as penas. Cadeia é para recuperar as pessoas, não para fazê-las apodrecer.

Estava em Oslo na época do julgamento, e a cidade funcionava normalmente, sem os espasmos de ódio tão comuns no Brasil de hoje.

E então voltemos para o caso Brasil versus Dirceu. O procurador falou no mínimo em 30 anos. Ele está precisando de uma temporada escandinava, certamente, para refazer seus conceitos.

Existe uma confusão mental na Justiça brasileira que se expressa nas declarações orais e escritas de seus magníficos integrantes.

Tente entender, por exemplo, o que Janot disse ao se manifestar contra o retorno de Dirceu à prisão domiciliar.

“Não há que se falar, com efeito, em conciliação das prisões pelo Supremo, porquanto independentes entre si, não havendo, entre uma e outra, conexão  de qualquer ordem. Ademais, o sentenciado não possui foro por prerrogativa de função, não havendo necessidade de pronunciamento do STF em questões desse jaez [gênero] relativamente a ele”, afirmou Janot.

Outro trecho: “Além disso, tendo em vista os veementes indícios de prática de infrações penais em datas posteriores ao trânsito em julgado do acórdão condenatório proferido nos autos da Ação Penal nº 470, incide, in casu, o disposto no art. 313, II, do diploma processual penal.”

Será que Janot não podia escrever em português?

Um amigo jornalista me contou, no Mensalão, que estava numa padaria, com a televisão ligada, quando um juiz pronunciou um voto. “Como fala bem esse juiz”, notou um popular ali na padaria. “Mas não entendi: ele condenou ou absolveu?”

Toda essa máquina jurídica abstrusa e parcial se voltou contra Dirceu, com a contribuição de uma das piores imprensas do universo.

O tempo haverá de esclarecer um dos episódios mais confusos da história política moderna.

Por ora, o que é claro é que o caso Dirceu é muito mais político do que propriamente legal.

Se Dirceu fosse um servo da plutocracia, viveria a vida tranquila de todos aqueles que optaram por aquele caminho.

Isso é batata.

Me ocorre Mujica ao pensar em Dirceu.

Em maio passado, numa entrevista, Pepe Mujica produziu, com sua habitual franqueza, uma defesa de Dirceu como líder petista nenhum fez.

Disse ele: “Dirceu para mim não é um criminoso. Está condenado, mas é um formidável lutador.”

Este é o verdadeiro crime de Dirceu: ser um “formidável lutador” contra a plutocracia brasileira.

*Publicado no Diário do Centro do Mundo

5 ideias sobre “O verdadeiro crime de Dirceu

  1. Clint Eastwood

    O nosso grande problema é que não conseguimos julgar sem emoção, para nós tudo é ditado pela emoção. Ainda bem que não temos a pena de morte, se sem ela a nossa Justiça está longe de fazer justiça, imagine-se com ela, um monte de inocentes seriam mortos injustamente. O desejo de ver o seu Zé mofando na cadeia é o desejo de se ver a justiça sendo feita, mas vamos e venhamos, o seu Zé é ladrão sim, mas tem muito ladrão como ele que não é condenado a 30 anos de cana. É a tal dosimetria posta em prática.

  2. adriano

    Tadinho…de tão bonzinho, acho que da para fazer mais uma vaquinha para ajudar o pobre homem com a justiça. E quem sabe, esse senhor poderia se canditar a cumprir a injusta pena. Só pode ser brincadeira…

  3. Renato Glotter

    O Dirceu foi condenado por ser ladrão. Se ele, fora isso, ladrão, é ou foi alguma outra coisa, que pesquise quem quiser.
    E o texto do Janot é claro. Ele foi preso porque, em liberdade condicional por um roubo, roubou de novo.
    Por isso foi preso.

  4. Zangado

    Democracia é isso, permitir comparar Noruega com Brasil e chegar à conclusão que José Dirceu não é criminoso mas um lutador político, de consequência, todos os brasileiros/as honestos/as desse país somos rematados otários, ora vai pra … Coreia do Norte, Paulo Nogueira!

  5. Tanso

    Até eu que sou tanso sei que ele praticou tráfico de influência. Nada a ver com roubo clássico. A sua influência incondicional no governo Lula e parcial no da Dilma era o objeto negociado com os interessados em “negociatas e acordos”. São as tais consultorias que abasteceram as contas de suas empresas.

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