Tão longe de ser “Pátria Educadora” estamos da “Pátria Esportiva”. Até porque a segunda depende da primeira. (Juca Kfouri)
Ouro de tolo
Há quem diga que os Jogos Pan-Americanos são os Jogos Abertos do Interior falados em castelhano. É uma maldade, mas faz pensar. Primeiramente porque quem disputa uns ou outros curte uma barbaridade participar e é natural que assim seja. Para variar, são os dirigentes que diminuem o brilho tanto dos Jogos Abertos quanto do Pan. Nos Jogos Abertos não é de hoje que prefeituras contratam atletas para reforçar suas equipes, sejam ou não das cidades, morem ou não nelas. Eu mesmo, paulistano de nascimento, quando jogava basquete, por coincidência, no Paulistano, fui convidado para defender o time de Araçatuba, onde eu jamais pisara. (Claro que é mentira, não só porque nos anos 60, quando joguei, ainda não havia tal prática deletéria e artificial, como porque ninguém me contrataria…) Mas tão habitual como isso é ver o Comitê Olímpico do Brasil incentivar que atletas estrangeiros sejam naturalizados para defender o Brasil na Olimpíada do Rio. Basta dizer que, dos sete titulares do time de polo aquático, medalha de prata em Toronto, quatro não são brasileiros. Quanto vale esta medalha para o futuro do esporte no Brasil? A resposta é zero. Na luta greco-romana teremos um armênio de verde-amarelo e assim o país buscará ficar entre os dez primeiros no quadro de medalhas. Vale? Um trabalho sério, consistente, de base, de democratização ao acesso à prática esportiva, nem pensar. E têm os atletas que foram adotados pelas Forças Armadas e andam prestando continência. Nada contra o respeito ao Hino Nacional e ao hasteamento da bandeira brasileira, mesmo que ainda estejam vivas as lembranças da ditadura, que deixaram mal a imagem dos militares, trauma a ser vencido com urgência. Também nada contra as Forças Armadas financiarem atletas, incomparavelmente melhor do que ensinar a torturar, mas desde que seja prática permanente, não apenas para a Rio-16. Como é preciso segurar o entusiasmo quando são celebradas as marcas de Thiago Pereira, brilhante nadador com mais de duas dezenas de medalhas no Pan, mas de apenas uma olímpica, de prata, em Londres, três anos atrás, nos 400 metros do nado quatro estilos. Escrevi “apenas” de propósito, para que você pergunte: “Como ‘apenas'”?! De fato. Uma medalha olímpica, do metal que for, vale uma vida. É coisa para chuchu. Mas mais de 20 do Pan não valem que se crie em torno de Thiago, como se criou quando ele já brilhou no Rio, no Pan 2007, ao ganhar oito medalhas –seis de ouro, uma de prata e mais uma de bronze– a expectativa de que ele matasse a pau em Pequim, na Olimpíada de 2008. Na China, ficou em oitavo lugar nos 400 metros quatro estilos e num excelente quarto lugar nos 200 metros, marcas que foram recebidas como frustrantes, imensa bobagem e injustiça. Tão longe de ser “Pátria Educadora” estamos da “Pátria Esportiva”. Até porque a segunda depende da primeira. *Publicado na Folha de S.Paulo