Do blog Cabeça de Pedra
Ouviu dizer que, ao contrair uma gripe muito forte, a pessoa entra num estado como se estivesse por muito tempo com a cabeça dentro d’água. Tirou o termômetro do sovaco, olhou o mercúrio nos 40 graus, tossiu – e uma bola de catarro amarelo saiu do seu peito, atravessou a boca e foi parar num guardanapo de papel que tinha no criado mudo. Duas marretas batiam nas têmporas. A nuca espetada por uma adaga. Arrastou os pés e levou o corpo até o banheiro. Encheu a banheira com água morna. Entrou de roupa e tudo. Olhou o teto, fechou as narinas com o indicador e o dedão da mão direita. Afundou. Ficou até o pulmão arder. Quase explodiu. Tirou os dedos, a água entrou pelos dois buracos e depois pelo túnel da boca. Não sufocou. Achou estranho. Os olhos confirmaram que estava mesmo coberto pela água. Então apareceram pessoas conhecidas sorrindo. Ele sorriu também. Depois o céu em frente a uma casa que conheceu nos arredores de Londres. Aí vieram as montanhas em Palm Springs, o K2, o Kilimanjaro, o Fuji. Uma casinha em Arembepe, o mar de cana no interior do Brasil, uma passista de escola de samba, o Zé Trindade pulando de lado, Dick Farney e João Gilberto cantando, o salto do Morato visto de baixo… Tossiu. Sentiu-se afogado. Pulou para fora da água. Tirou a roupa. Se enxugou. Não sentia mais nenhuma dor.