Do blog Cabeça de Pedra
Olhou direto para o sol do meio-dia depois de ter ouvido centenas de vezes o disco de Egberto Gismonti com este nome. Surtou, cegou, mas não sentiu. A música tinha invadido o seu ser e o anestesiado para a dor. Nunca reclamou. Só pediu óculos escuros de aros redondos, feito um Lennon dos trópicos escaldantes. Lhe deram uma caneca de alumínio, daquelas que ainda ficam embaixo das torneirinhas dos filtros de barro do país desconhecido pela maioria dos habitantes. Foi então para uma esquina que ele conhecia desde criança, sentou e começou a emitir sons que dizia ser música – a do sol do meio-dia. Raramente ouvia o tilintar de uma moeda. Não ligava. Com o passar dos meses e anos se rebatizou como Cego Aderaldo, nome de música do mesmo Gismonti. Até o dia em que alguém duvidou da sua cegueira. A peixeira que carregava atravessada no cinto às costas surgiu feito raio. O sino da igreja tocou doze vezes. A lâmina brilhou e sangrou. Deus então matou. A polícia veio. Ele só disse uma frase: “Olho seco é mais embaixo”.