por Ticiana Vasconcelos Silva
Eu tenho um lado negro que me cobre de desejos
Um lago raso em que mergulho minhas mágoas
Um véu claro em que escondo meus segredos
Um cordel sem rima em que escrevo meus sonhos
Eu tenho um lado sombrio que quer ver a luz do sol
Um lado que mostra seus dentes desgastados e mal usados
Uma parte minha que ficou dolorida com tantas partidas
Uma ponta de faca que pressiona a minha pele e não deixa a sua marca
Eu tenho um espaço vazio que esperou o amor em vão
Um lugar escondido onde eu esqueci o não
Uma floresta antiga, soterrada por uma erupção
Uma verdade abandonada por ideias sem vazão
Eu tenho uma parte minha que é tão minha que desconheço
Uma vaga memória de que fui ungida pela luz de um novo começo
Uma espécie de magia que me entorpece, mas em que não pereço
Uma distância profunda entre a veemência da amor e sua razão de ser imenso
Eu tenho fome e sede de ser branca e nua
De ir fundo na escuridão que encobre a minha alma
De ouvir a noite e me refrescar em seu silêncio
De me entregar ao mistério de ser a ausência do visível
Eu escuto a voz desse meu lado contido
Que se esparrama em meu corpo e em meus sentidos
Eu durmo com ele para não me perder no caminho
Eu atravesso o espelho e alcanço sua origem
Eu tenho as dores do sol em meu olhar
Eu carrego o mar em meu ventre
Meu voo é tão grande que me esqueço
Que a escuridão de minha alma é onde eu encontro meu sossego.