por Ruy Castro
Há meses, numa livraria, uma amiga tradutora folheou casualmente um livro: “O Jardim Secreto” ou coisa parecida. Era um livro de desenhos de flores –somente os contornos, a serem coloridos pelo leitor e, com isso, cumprirem uma função antiestresse. Ela gostou da ideia. Comprou-o e, pelas semanas seguintes, não fez outra coisa senão colorir. O antiestresse funcionou. O livro relaxou-a de tal forma que, às vezes, ela parecia entrar em rigor mortis.
Não só ela se deixou fisgar. O boca a boca e a informação de que esses livros são uma febre na Europa e nos EUA fizeram com que, nos últimos meses, a oferta deles tenha contagiado a indústria editorial brasileira. São dezenas de títulos, cada qual vendendo aos milhares. E, a reboque dos livros, a venda de estojos de lápis de cor também disparou.
Isso prova que, se se oferecer às pessoas os chamados “non books” –livros que não precisam ser lidos–, elas os comprarão em massa. Aconteceu parecido há pouco, com a onda de livros com datas no título –a maioria deles foi comprada por comprar, “para colecionar”.
O curioso é que, vendendo que nem pão quente nas livrarias, os livros para colorir estão fora das listas de best-sellers. Por quê? Preconceito. Em termos de conteúdo, não há diferença entre um livro para colorir e os de Augusto Cury ou de qualquer autor de “autoajuda”. Mas são estes que vão para as listas.
Essas coisas são sazonais. Em breve, a onda dos livros para colorir passará. Pois, para manter nossa combalida indústria editorial à tona, aqui vão algumas sugestões: livros de cartas enigmáticas, de desenhos a que você chega ligando os pontos, de “o jogo dos sete erros”, de procurar o mico na floresta etc.
O estresse de minha amiga tradutora voltou. De tanto colorir livros, ela relaxou no serviço. Agora está se esbaforindo para tirar o atraso.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Pode ser que funcione para relaxar, mas no fundo é mais uma jogada certeira do mercado para impulsionar a venda de livros e de lápis. Esse expediente já foi usado em outras épocas. Betty Friedan relata em um de seus livros, que investigou um serviço de marketing e encontrou os relatos sobre uma das artimanhas usadas pelos marqueteiros para embromar as donas de casa norte-americanas: divulgavam em revistas e nas tevês o valor terapêutico de assar bolos e pães. Com isso, as mulheres se distraíam das suas lutas e ainda impulsionavam o mercado.
Pão e circo – sempre.
Por que não divulgam o valor real de trabalhos manuais, como o tricô e o crochê, usados e recomendados em clínicas psiquiátricas. Só que esses não dão grandes lucros ao mercado.