9:38Clique sem heróis

por Ruy Castro

Estou meio desatualizado a respeito das últimas da ciência, mas, pelo que me consta, ainda não chegaram a uma conclusão sobre quem veio primeiro, se o ovo ou a galinha. (Confidencialmente, torço pelo ovo, mais plausível de ter surgido sozinho do que uma galinha adulta, já pronta e em idade de desovar.) Leio agora em “O Globo” a pergunta que o filho de um publicitário gaúcho fez a seu pai: “Pai, o que veio antes, o iPad ou o vaso sanitário?”.

A dúvida entre o ovo e a galinha é anterior a Aristóteles. Já a do garoto ainda pode ser respondida, neste momento, por qualquer maior de 15 anos -o vaso sanitário veio antes. Mas não garanto que, em mais 15 anos, a geração que está nascendo hoje tenha essa certeza. Mesmo porque o iPad nem existirá mais, assim como, talvez, o vaso sanitário. Estamos esquecendo como era a vida até há pouquíssimo tempo.

A televisão, por exemplo, se orgulha de que as imagens do terremoto em Katmandu chegam agora à telinha do seu celular antes mesmo de a terra parar de tremer. Mas não tenho visto homenagens aos heróis que tornavam possíveis os links no tempo em que não havia os satélites. Como fazer para transmitir, digamos, a inauguração de Brasília, em 1960, para RJ, SP, MG, o Sul e o Nordeste?

Era assim: instalavam-se postos de transmissão nas montanhas desses lugares, com as micro-ondas alinhadas. A imagem ia sendo jogada de um para outro. Mas os postos não podiam operar sozinhos, precisavam de gente lá em cima. As equipes abrigavam-se em barracas de lona e eram abastecidas por avião. Em lugares de tão difícil acesso, às vezes o avião não chegava e os operadores passavam fome. Um dos aviõezinhos caiu em Macaé num temporal e o piloto morreu.

Hoje, isso se reduziu a um clique impessoal e eletrônico, e dispensa a presença de heróis a alimentar.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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