De Fernando Canzian, na Folha de S.Paulo
Na avenida Paulista, a coluna encontrou, “de cara”, vários retratos do atual cenário de desaceleração da renda, precarização do trabalho e aumento do desemprego.
São as mais recentes “heranças malditas” do governo Dilma. Elas estavam escamoteadas e distantes da população até a reeleição por políticas insustentáveis, que agora cobram seu preço com desemprego e empobrecimento via recessão.
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Rafael Kudo, 35, perdeu dois negócios, trabalha de ambulante e viu sua renda familiar cair de R$ 8 mil para R$ 4 mil |
Os últimos dados de renda e emprego do IBGE mostram que os brasileiros vão perdendo ganhos de salário e se tornando desempregados em velocidade crescente. As empresas também substituem funcionários mais caros por mais baratos em ritmo e volume maiores. E uma coisa leva à outra.
A taxa de desemprego depende, basicamente, de duas variáveis: número de vagas disponíveis e total de pessoas procurando trabalho, algo que pode variar rapidamente.
Se a renda de uma família diminui por causa da inflação, por exemplo, é possível que um dos filhos que só estudava precise voltar a trabalhar. Isso contará no cálculo do desemprego, já que mais gente estará atrás de trabalho, fazendo subir a taxa.
No momento, há uma confluência negativa de dois fatores: mais gente procurando empregos e milhares de empresas fechando vagas. É isso que explica o salto de 5,3% para 5,9% na taxa de desemprego entre janeiro e fevereiro. E os 7,3% no trimestre encerrado em fevereiro.
O exemplo de Rafael Kudo, 35, que vendia lanches e bebidas na Paulista no protesto: de empregador, virou empregado, aumentando a taxa de desemprego. Ex-dono de uma confecção que quebrou, teve de procurar com a mulher trabalho terceirizado em uma empresa concorrente do mesmo ramo. Nos finais de semana, trabalha como ambulante. Sua renda familiar (variável) despencou de algo entre R$ 8.000 e R$ 10.000/mês para R$ 4.000.
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Dono de auto elétrico, Humberto Santos, 57, diz que movimento de clientes chegou a cair pela metade nos últimos meses |
Dono de um auto elétrico, Humberto Santos, 57, também reclama da queda na renda com o movimento menor de clientes. Só não demite porque têm os três filhos como funcionários.
Já o estudante de história Ederson Maurício, 29, perdeu o emprego de R$ 1.800 líquidos/mês de monitor de qualidade em uma montadora. Agora faz bicos. No protesto, vendia cerveja com a namorada, Aline, agente de turismo que ganha R$ 2.000/mês.
Mesmo quem já parou de trabalhar está perdendo. Caso das aposentadas Maria Santos, 66, e Rosa Lia, 73, que cortaram lazer, alimentos e vestuário. Como outros 10 milhões de aposentados que recebem mais de um salário mínimo por mês, elas tiveram seus benefícios reajustados em 6,23% neste ano, abaixo da inflação oficial dos últimos 12 meses, de 8,13%.
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Aposentadas, Maria Santos, 66, e Rosa Lia, 73, cortaram lazer, reclamam da falta de correção do benefício e da inflação |
A bronca contra a corrupção, revelada antes da reeleição de Dilma, tem sido o grande mote das últimas manifestações.
Mas a reprovação à presidente só despencou de 20% da população em outubro para 60% agora depois que as vidas de Rafael, Humberto, Ederson, Maria e Rosa começaram a piorar.
Protestos como o de hoje e o do dia 15 de março não vão mais acontecer, a “infame” classe média já disse o que queria dizer. Os próximos protestos vão ser do tipo daqueles acontecidos em 2013, e não serão só por 20 centavos não.