Do blog Cabeça de Pedra
Vinha se arrastando pela vida como um mulambo. Um dia não teve mais forças na alma para se levantar e sair do quarto infecto que lhe sobrou de um herança que um dia reluziu a ouro. Tinha queimado tudo e nem lembrava como, porque os neurônios também entraram na fogueira. Acordava, olhava a claridade filtrada na veneziana de madeiras podres, e ficava ali a pensar fragmentadamente, como se a sua mente fosse um caleidoscópio alucinado que só lhe trazia péssimas lembranças. Foi enfraquecendo com os dias. As alucinações aumentaram. Até o dia em que o “monte mote de monte” surgiu escrito na parede suja que ele ficava olhando horas e horas imaginando figuras no reboco mal feito. Rolou do colchão que estava no chão, se arrastou até o banheiro, se segurou na beira da privada, abriu a torneira e do cano caiu a água gelada da salvação. Enquanto pensava no “monte mote de monte”, se limpou, vestiu a melhor roupa, saiu cambaleando, tomou um café, comeu um pão, pagou com uma nota de bêbado, entrou numa igreja, rezou, fez o sinal da cruz com água benta e, na saída, encontrou um amigo de longa data que apareceu – e foi seu anjo da guarda enquanto ele passou a criar o monte de mote da sobrevivência.