9:03Machado, Collor, Dilma…

por Pasquale Cipro Neto

Nas eleições de 89, os alunos queriam saber o meu voto e o dos outros colegas. Eu não dizia em quem votaria, mas dizia em quem não votaria de jeito nenhum: Maluf e Collor. A rejeição a Maluf não era surpresa, mas… “Por que de jeito nenhum no Collor?”, perguntavam, incrédulos, muitos dos jovens que tinham comprado a versão da grande mídia de que o carioca Collor era o novo, o moderno, o “caçador de marajás” e outras aleivosias.

Quando eu lhes dizia quem era Collor e o que ele representava, muitos caíam na real e diziam que iam desistir do falso alagoano; outros tantos diziam que era tudo mentira.

No ano seguinte, vários alunos que repetiram o curso nem me deixaram abrir a boca no primeiro dia de aula. Foram logo perguntando o que eu achava das medidas de Collor e Zélia. Eu lhes disse com todas as letras que aquele era um governo natimorto, por uma simples razão: Collor mentira durante a campanha e tomara medidas que disse que Lula (seu adversário no segundo turno) tomaria. Como diria o próprio Collor, já às voltas com a CPI que o derrubaria, o tempo é o senhor da razão…

Nesse mesmo ano, li com os alunos o memorável texto “A Borboleta Preta”, de Machado de Assis (capítulo 31 de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”). Quando eu lhes falava sobre as possíveis traduções do comportamento do narrador, que mata uma borboleta com uma toalha, logo se arrepende e em seguida busca argumentos extravagantes para justificar o seu ato, eu tentava relacionar aquilo com a realidade.

Um dos meus exemplos era a atitude dos eleitores de Collor, que creram piamente que Lula faria o que Collor disse que Lula faria (confiscar a poupança, por exemplo) e, horrorizados, votaram no “caçador de marajás”, que os protegeria de todos os males, amém. Quando Collor fez o que fez, muitos dos seus eleitores agiram como o narrador de “A Borboleta Preta”. Procuraram uma desculpa, uma justificativa –e acharam: “Alguma coisa tinha de ser feita”, diziam. Mutatis mutandis, ocorreu-lhes o que ocorreu ao narrador de “A Borboleta”, que, pensando consigo mesmo, disse: “Também por que diabo não era ela azul?”. E concluiu: “E esta reflexão (…) me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo”.

O segundo mandato de Dilma me lembra o texto de Machado e o que a ele relacionei. Dilma e os seus marqueteiros fizeram uma campanha vergonhosa. A infame peça sobre o que a carola Marina “faria” com o BC transformou em catecismo a também infame peça de 2002 do PSDB sobre o medo. As “acusações” de Dilma e sua txurma de que os não menos santos tucanos fariam o que Dilma agora tenta fazer e não consegue lembram o que Collor disse que Lula faria e que ele (Collor) fez. As desculpas e acusações agora não são só de muitos dos eleitores de Dilma. São dela mesma, da sua intrépida dupla de pombos-correio e de alguns ratos que não abandonaram o navio.

Ouso repetir o que afirmei em 1990: este é um governo natimorto. Pode até chegar a 2018, mas será um moribundo deambulante. Voltemos a Machado: “…uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas…”. O cadáver em questão é o segundo governo de Dilma, digo, a borboleta; as formigas são…

A literatura é essencial, sempre. Está tudo ali. Sempre. Como diria o grande Paulinho da Viola (em “Coisas do Mundo, Minha Nega”), “as coisas estão no mundo, só o que eu preciso é aprender”. É isso.

*Publicado na Folha de S.Paulo

 

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