por Walter de Almeida Guilherme*
Há pouco aposentado como desembargador do Tribunal de Justiça, por força de imposição constitucional, por 20 anos pertenci ao Ministério Púbico e noutros 26 fui juiz, encerrando a carreira como ministro convocado do Superior Tribunal de Justiça. Durante quase a totalidade desse tempo atuei na área criminal. No Ministério Público, pedi um sem número de prisões, ofereci pareceres nos quais se punha a questão da prisão preventiva. E como juiz, em milhares de processos, decidi a respeito dessas prisões. Talvez esse tenha sido o tema que mais me afligiu: manter alguém encarcerado antes de sua condenação final.
Guiam-se os juízes pelo que dispõe o Código de Processo Penal nos casos em que se admite que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (arts. 312 e 313). A prisão cautelar hoje não é obrigatória. Cabe ao julgador, havendo prova da existência do crime e de indício suficiente de autoria, avaliar se o caso se enquadra na lei. Não vou me ater à doutrina e à jurisprudência. Este não é um artigo jurídico.
É um drama para o juiz consciente mandar alguém para a cadeia antes que se tenha certeza (jurídica) da culpa. Ciente das condições subumanas da maioria dos presídios – e da inutilidade da prisão como fator de ressocialização, intimidação e eventual efeito benéfico que constituiria o afastamento do seio social, já que ele, de dentro da cadeia, desenvolve outras formas de criminalidade –, o juiz vacila. Convém o encarceramento preventivo? Mas a lei precisa ser cumprida. O vacilo se desvanece e a prisão é decretada. Digo por mim: em mais de 80% dos casos a prisão preventiva foi decretada.
O juiz lê, vê televisão, internet, convive com familiares e amigos e não é imune à opinião pública (e publicada). A par de sua convicção, a pressão para decretação da prisão é enorme. Tudo acaba por fazer surgir a convicção de que a prisão se justifica, engordando a estatística dos presos provisórios. Presos que, independente da duração da instrução processual, se absolvidos experimentarão dano irreparável. Decretar ou não a preventiva depende sempre de prognóstico a ser feito pelo juiz. Solto, tornará a delinquir? Frustrará, fugindo, a aplicação da lei? Prognose nada fácil.
A condição natural é a liberdade, proclamam os estados civilizados, somente se justificando a perda a condenação transitada em julgado. Será a custódia preventiva uma antecipação da pena que decorrerá da decisão condenatória definitiva? Não se pode cogitar ser assim, do contrário se estará a fazer ruir todo um sistema baseado na presunção da não culpabilidade. Mas, por vezes, é o que ocorre. Há o juiz que lutar contra a ideia, consciente ou não, de tornar a prisão preventiva um início da pena que eventualmente aplicará. É claro, também, que se utilizar da prisão preventiva como elemento indutor de colaboração premiada, como nos casos tão em voga, é odioso. Não creio que juízes, para esse fim, tenham-se valido dessa forma de constrição. Confesso que a decisão que mais me satisfazia moralmente, enquanto julgador, era a de conceder de habeas corpus para revogar prisão preventiva ou conceder liberdade provisória, quando convicto de sua ilegalidade.
* Texto publicado no blog Interesse Público, de Frederico Vasconcelos, na Folha.com
** Walter de Almeida Guilherme é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.