por Célio Heitor Guimarães
Brados retumbantes como “o povo unido jamais será vencido!” arrepiavam o saudoso Rubem Alves. E ele tinha razões de sobra para isso. Sabia, por experiência de vida, que a vontade do povo, “além de não ser confiável, é uma imensa mediocridade”. E citava, como exemplo, os programas de TV que o povo prefere – eis aí os Faustões, os Gugus, os Ratinhos, os Silvios Santos, as Reginas Casés e, particularmente, os BBBs da vida –, como bem poderia ter citado os políticos que o povo elege.
Segundo Rubem, que estudou teologia a fundo e foi pregador protestante, “na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas”. Tanto que bastou Moisés se demorar um pouco mais no alto da montanha para que o povo passasse a adorar um bezerro de ouro.
Os césares de Roma sabiam disso e enrolavam o povo com pão e circo. No circo, os cristãos eram devorados pelos leões, sob aplausos do povo. Depois os cristão viraram donos do circo e levaram à fogueira bruxas e hereges. E o povo continuou festejando em praça pública.
Reinhold Niebuhr, também pastor, também evangélico e também citado por Rubem, afirma que indivíduos, seres isolados, têm consciência e se sentem responsáveis pelos seus atos. Mas basta reunirem-se em grupos para perderem a consciência e passarem a se reger pelas emoções coletivas.
Outra característica do povo é a facilidade com que é enganado. E também aí a melhor prova são as eleições. Não se elege o melhor candidato nem a melhor ideologia ou a melhor proposta, mas a campanha mais bem elaborada, de imagens mais bonitas e sedutoras, e, em regra, o candidato que mente melhor ou maiores vantagens oferece e até confere ao eleitor. E a isso se costuma chamar democracia.
No recente movimento dos professores do Paraná, que faziam reivindicações concretas, justas e merecidas e protestavam contra um governo desastrado, incompetente e débil, as bandeiras da APP Sindicato misturavam-se às da CUT, braço sindical do PT, como se os reivindicantes precisassem de monitoramento e não fossem capazes de raciocinar e reivindicar por si próprios. Eram, mas os oportunistas não perderam a oportunidade. Deveriam ter sido espantados, como foram aqueles que macularam as marchas de junho de 2013.
De igual modo, nenhuma bandeira encarnada foi agitada durante o panelaço nacional de domingo à noite, durante a fala presidencial. Mas aquele – como disse o venerando Juca Kfoury – partiu das “varandas gourmets” da “elite branca” (nós, por conseguinte), que não se conforma com os avanços sociais e econômicos do PT… Como bom corintiano, Juca sabe que a coisa não é bem assim. E a prova aconteceu nessa terça-feira, na visita de Dilma a São Paulo.
Por isso, tinha horas em que o povo assustava o meu querido Rubem Alves. E, confesso, continuam assustando a mim. O meu pensamento em relação ao povo era um pouco diferente. Sempre procurei defender em O Estado do Paraná e neste espaço de blog, de reduzida importância, é bem verdade, o povo e as chamadas causas populares. Mas cada vez temo mais que os meus ideais tenham se perdido no meio da multidão. E o povo prefira continuar servindo de massa de manobra para espertinhos e espertalhões.
Rubem garantia que nem Freud, nem Nietzsche, nem Jesus confiavam no povo. O Cristo, aliás, foi crucificado pelo voto popular, que preferiu salvar Barrabás; na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimou violinos em nome da verdade proletária; o nazismo chegou aonde chegou porque o povo alemão idolatrava o Führer.
No Brasil contemporâneo, o povo continua passando fome, sofre todo tipo de sofrimento, vive no desamparo, sem segurança, sem educação e sem assistência médica e social. Mas continua elegendo Dilma Rousseff, Lula, Beto Richa, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Paulo Malluf, Fernando Collor de Mello, Romero Jucá, Edson Lobão, José Melo, Renan Filho, Nelson Justus e Tiriricas, Ratinhos e cia., todos com expressivas votações.
Compartilho da opinião de Rubem Alves: não é com esse tipo de povo, quase uma prostituta, que se vende por muito pouco, que devemos sonhar. O povo que amamos e queremos unido é ainda apenas uma esperança. Mas um dia ele há de chegar, embalado na canção do saudoso Geraldo Vandré dos anos sessenta:
“Caminhando e cantando e seguindo a canção / Somos todos iguais, braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas, campos, construções / Caminhando e cantando e seguindo a canção.
“Vem, vamos embora que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, não espera acontecer…”
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Mestre Célio Heitor, a cada semana melhor e mais magisterial em seus comentários, é voz que não cala diante dos absurdos e barbarismos éticos e morais ensejados pela politicalha nacional. Exemplo: Dias Tófoli, com aquele semblante de fidalgo da Renascença, pulando de uma turma para outra, no STF, para presidir o julgamento dos denunciados pela Operação Lava Jato. Nem Coringa, nefando personagem dos quadrinhos, que CH domina como poucos, seria capaz de engendrar igual patranha.
Pergunto o que diria Rubem Alves do lado institucional desse país que mais parece a estrebaria das Áugias?
Problema Heitor que a um pouco mais de uma década o povo se vendia por bem menos.