5:31O itinerário suspeito do faturamento das empresas de ônibus

Do jornal Gazeta do Povo, em reportagem de Raphael Marchori

Manobra das empresas de ônibus indica sangria do lucro do sistema

Balancetes das viações de Curitiba e região têm movimentação de R$ 55,6 milhões, mas auditores dizem que valor pode ser maior

Balanços financeiros das empresas de ônibus de Curitiba analisados por auditores das comissões da tarifa colocam em dúvida o real faturamento do setor. As comissões suspeitam que empresários estão utilizando empresas menores do mesmo grupo familiar para drenar os lucros. Os balancetes das viações de dezembro de 2010 a junho de 2013 têm movimentações com outras empresas da família Gulin que ultrapassam R$ 55 milhões. São empréstimos, aprisionamentos de recursos e depósitos judiciais. Para especialistas, essas transações só ocorrem por conta de uma brecha no edital.

As movimentações com empresas administradoras de bens do grupo – em alguns casos, gerentes das próprias viações –, vão na contramão do alegado prejuízo do setor. Segundo os empresários, o déficit atual é de R$ 760 milhões. Além de custos subestimados, eles afirmam que esse valor decorre de uma ‘contenção artificial na tarifa’ promovida pela Urbs desde 2010. De lá para cá, o valor repassado às empresas por passageiro, a tarifa técnica, subiu 35%. E há previsão de novo aumento nos próximos dias, assim que for definido o reajuste dos trabalhadores. Para o usuário, a tarifa já subiu no mês passado.

Dados de uma das comissões que analisam a licitação identificaram ao menos 17 dessas empresas subsidiárias. Apesar de terem capital social de R$ 365 milhões, auditores apontam que elas servem apenas como subsidiárias das viações. A reportagem visitou as sedes registradas na Junta Comercial. Elas estão em sobrados, salas comerciais abandonadas e consultórios. Há endereços que coincidem com os de garagens de ônibus.

A Stabile Participações, por exemplo, funciona em cima de uma concessionária de automóveis do grupo. Com capital social de R$ 34 milhões, ela tinha cinco pessoas trabalhando durante a visita da reportagem e foi indicada por uma das funcionárias como sendo o setor de recursos humanos da Viação Santo Antônio. “É tudo a mesma empresa”, disse.

Já a Senestra Participações tem sede registrada dentro da garagem da Viação Sorriso e um capital social de R$ 56 milhões. Os balanços dessa viação registraram movimentações de mais de R$ 16 milhões com a subsidiária. Mas uma busca na internet te leva a um edifício comercial na Avenida República Argentina, no Portão, onde funciona o consultório do oftalmologista Elizeu Gulin – que também é sócio da holding e da empresa de ônibus.

Veja gráfico: fraude onibus

Uma brecha no edital torna essas movimentações legais. Como o texto não obrigou os vencedores a formarem ‘sociedades de propósito específico’, as viações podem ter em seus balancetes os empréstimos a outras empresas. Mas isso, segundo especialistas, prejudica a fiscalização. Para o advogado Luiz Eduardo Menezes Serra Netto, da área do Direito Público e Econômico, o edital foi mal redigido. “De modo geral, as concessões exigem que as empresas sejam de propósito específico para evitar situações como essas”.

Os auditores que pedem a redução da tarifa vão além. “Os empresários pegam o lucro das captadoras [empresas de ônibus] e transferem para essas empresas de participação. Por isso os balancetes das viações estão sempre deficitários”, disse um dos integrantes das comissões que apura irregularidades na concessão há dois anos. Os entrevistados, que pediram para não se identificar, defendem que quem deve se manifestar sobre o caso é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Outro lado

Em nota, o Setransp afirma que as conclusões apontadas pelas comissões são “precipitadas e decorrem de interpretação errônea dos balanços das empresas”. Segundo as empresas, a concessão do transporte gera prejuízos ao setor e as demais atividades econômicas exercidas por elas são fundamentais para prover recursos financeiros aplicáveis à manutenção do transporte. As empresas concessionárias apresentam à Urbs relatórios específicos, exclusivamente para as contas do transporte de Curitiba. O sindicato também informa que as demonstrações financeiras seguem estritamente as normas da Receita Federal e demais exigências legais.

Cartel

Segundo conclusão da CPI do Transporte Coletivo, a família Gulin detém 68% das ações dos três lotes vencedores da licitação de 2010. Essa concentração é objeto de análise pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) desde setembro de 2013. Na ocasião, os balancetes também foram remetidos para análise. A assessoria de imprensa do órgão federal informou que não pode dar detalhes até que a apuração se torne um procedimento oficial.

No vermelho?

A rentabilidade justa prevista no contrato de concessão representa 11,4% da tarifa. A cada R$ 3,30 pagos pelo usuário, R$ 0,37 são repassados às empresas como lucro. Desde o início da concessão, foram repassados R$ 241 milhões. O setor alega que essa quantia cobre déficits que estão acima da projeção realizada por ela antes do certame. O déficit atual, segundo as empresas, deveria ser de R$ 485 milhões, considerando o abatimento do investimento realizado em 2010, mas estaria em R$ 760 milhões.

Movimentação pagaria um ano de subsídio e mais de um mês da folha salarial

Os R$ 55,6 milhões movimentados entre as viações e as holdings da família Gulin bancariam o ano inteiro do subsídio pago pelo governo do estado para manter a integração tarifária das linhas metropolitanas em 2014. O valor também pagaria 45 dias de trabalho para todos os 13 mil cobradores e motoristas da RIT.

 

 

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