por Josias de Souza, no UOL
Não é preciso muito esforço para perceber que a “obrigação” que o ministro José Eduardo Cardoso tem de receber advogados transformou a antessala do seu gabinete numa espécie de sucursal da casa da Mãe Joana.
Graças às artimanhas da veneranda senhora, o doutor Sérgio Renault, advogado do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC e coordenador do bilionário cartel de propinas da Petrobras, materializou-se na sala de espera do titular da pasta da Justiça.
O doutor não tinha nada a tratar com o ministro. Em verdade, estava a caminho de um restaurante. Dividiria a mesa com outro advogado, o ex-deputado federal petista Sigmaringa Seixas. Que esteva no gabinete de Cardozo. Ele, sim, tinha assuntos a resolver com o ministro. Coisa “pessoal”, explicou o ministro. Nada a ver com a Lava Jato.
Sigmaringa poderia ter sugerido a Renault que o aguardasse na mesa da casa de repastos onde dividiriam o feijão com arroz. Mas, por alguma insondável razão, sugeriu que o encontrasse na antessala de Cardozo. O ministro levou Sigmaringa até a porta. E trocou um dedo de prosa com Renault. Coisa de três minutos, disse Cardozo. Nada a ver com Ricardo Pessoa, o cliente de Renault. Que dorme no colchonete da PF desde novembro de 2014.
Diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, avalia que o episódio pede a realização de um teste: “Sugiro a qualquer pessoa que combine encontrar-se com algum amigo no mesmo lugar [a antessala do ministro]. E, para isso, se apresente à portaria do Ministério da Justiça e informe sua intenção aos recepcionistas.”
Cético compulsivo, Abramo oferece “uma lavagem de carro grátis no posto de gasolina do Yousseff a quem conseguir entrar no elevador.” Na dúvida, dá um conselho a Cardozo: “Se encontros podem ser marcados ali, sugiro que o ministro da Justiça anuncie publicamente no Diário Oficial que coloca sua antessala à disposição do público para encontros de qualquer natureza, não se olvidando dos fortuitos —como um motel, uma sauna, uma balada.”
Sob pressão de familiares, Ricardo Pessoa negociava um acordo de delação premiada com os procuradores que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato. Autoproclamado amigo de Lula, o empreiteiro queixava-se de abandono. Generoso provedor das arcas eleitorais do PT, ameaçava chutar o balde. De repente, deu meia-volta. O ministro Cardozo, naturalmente, não tem nada a ver com isso.
Cardozo reconheceu ter recebido defensores da Odebrecht, outra empreiteira investigada na Lava Jato. Deu-se no dia 5 de fevereiro. “Está na agenda”, disse o ministro. Meia-verdade.
Estiveram no ministério três advogados: Dora Cavalcanti, Pedro Estevam Serrano e Maurício Roberto Ferro —este último é vice-presidente jurídico da Odebrecht. Foram tratar de assuntos relacionados à Lava Jato.
Na versão oficial, queixaram-se de “vazamentos” de dados sigilosos sob a guarda da PF. E reclamaram da ação do DRCI, órgão da pasta da Justiça responsável pela recuperação de dinheiro sujo enviado ao exterior. Ou à Suíça, no caso sob investigação da força-tarefa da Lava Jato.
A agenda do ministro, de fato, anotava os nomes dos visitantes. Mas não dizia que eram advogados. Tampouco mencionava que representavam a Odebrecht. Anotava: “Audiência com os senhores Pedro Estevam Serrano, Maurício Roberto Ferro, Dora Cavalcanti e com a participação do Secretário Executivo do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.”
No campo destinado ao detalhamento da “pauta” do encontro, não havia vestígio de Lava Jato. Ali, escreveu-se: “Visita institucional”. Por quê? Cardozo alega que, ao formalizar o pedido de audiência, um dos advogados da Odebrecht, Pedro Serrano, sugeriu que o encontro fosse tratado como coisa “institucional”.
Sabia-se que a agenda de Cardozo por vezes permanecera em segredo. “Falhas técnicas”, o ministro já havia explicado. Descobre-se agora que, nas ocasiões em veio à luz, a peça ostentava a transparência de um cristal Cica. Expansiva a mais não poder, Mãe Joana já não se contenta em dar expediente apenas na antessala do ministro.
Seria possível qualquer um de nós fossemos recebidos pelo Ministro da Justiça ou qualquer outro , assim rapidamente? Acho que não. Seria verdadeiro que somente com o nome houvesse a marcação de audiência? Não, pois qualquer lugar onde alguém nos procura, sempre perguntamos quem é e o que querem. Seria facilmente permitido o ingresso de várias pessoas sem assunto definido no mesmo momento? Não. Quando recebemos um simples telefonema a pergunta é com que quer falar e qual o assunto. Bem tudo isso seria possível e é possível quando nós conhecemos as pessoas que nos procuram. Vejam o risco quanto a segurança que o Ministro correu. Hoje em dia com o E I por aí ninguém se preocupou em filtrar as tais visitas e seus visitantes? Bem diante disso e com tantas personalidades jurídicas no gabinete ministerial e ainda sendo elas representantes como advogados dos indiciados no Petrolão, duas coisas poderiam acontecer. Uma o Ministro transfere seus gabinete para Curitiba na Avenida Anita Garibaldi ou o Meretissimo Doutor Sergio Moro transfere a sala de audiências para um dos andares do Ministério da Justiça, assim seriam evitados deslocamentos desnecessários dos senhores advogados de um lado para o outro.