14:34Bruguera, a filha do guerrilheiro

por Elio Gaspari

A artista cubana Tania Bruguera tem 46 anos, já foi detida três vezes e toma atitudes que fazem dela um novo tipo de dissidente do castrismo. Foi presa há pouco porque marcou um evento para a Praça da Revolução, durante o qual as pessoas teria um minuto para dizer o que quisessem. Levaram-na para a delegacia por “desordem pública”. Ela foi solta pouco depois.

Desde que o presidente Obama anunciou o restabelecimento de relações entre os Estados Unidos e Cuba, sua prisão tornou-se uma faísca para o repúdio à ditadura castrista.

Ao contrário dos dissidentes cubanos habituais, ela não vive num prédio decadente de Havana, nem no bairro latino de Miami. É uma intelectual cosmopolita, educou-se no exterior, divide seu tempo com temporadas em Chicago e já expôs suas instalações em dezenas de cidades, inclusive nas bienais de Veneza, São Paulo e Xangai. Está em Cuba porque é cubana. Se quisesse, poderia viver em qualquer lugar do mundo.

Chama-se Tania numa homenagem de seus pais à guerrilheira alemã que morreu em 1967 na aventura boliviana de Che Guevara. Não foi uma daquelas homenagens românticas, como as que batizaram Yuris e alguns Vladimirs porque seus pais quiseram apenas homenagear o astronauta Gagarin ou o bolchevique Lênin. Miguel Brugueras, seu pai, foi um dos articuladores das guerrilhas latino-americanas dos anos 60 e 70. Serviu na embaixada cubana no Rio de 1963 a 1964, quando o marechal Castello Branco rompeu as relações com Cuba. Sabia tudo a respeito do estímulo do castrismo aos focos guerrilheiros que se montavam no Brasil. Nos anos seguintes foi embaixador de Cuba no Líbano, Argentina, Panamá e foi vice-ministro das Relações Exteriores. Morreu em 2006, aos 67 anos, e nunca falou de suas operações. Era um fidelista de primeira hora. Se ele foi um cubano típico de uma época, com cadeia, tortura e exílio, sua filha é um sinal de outros tempos.

Para se entender o que está acontecendo em Cuba, sobretudo depois do restabelecimento das relações com os Estados Unidos, é de pouca valia reeditar as clivagens dos anos 60. Há 50 anos Washington tinha uma atitude beligerante com a China. O Brasil acompanhava essa política e ficou pendurado na brocha em 1972, quando o presidente americano Richard Nixon foi a Pequim, reuniu-se com Mao Zedong e jogou a China Nacionalista de Formosa ao mar. Se isso fosse pouco, as tropas americanas continuaram guerreando no Vietnã até 1975. Hoje os Estados Unidos são grandes investidores no país.

Na moldura do século passado, artistas como Tania Bruguera viveriam em Miami. Se ficasse em Cuba, deveria respeitar as regras da cultura oficial e não poderia dizer o que quisesse, nem mesmo por um minuto. Se o companheiro Obama restabelecesse relações com Cuba para criar uma crise de Estado toda vez que Castro prendesse dissidentes, a reaproximação seria apenas o prelúdio para mais atritos. Havana e Washington têm menos de dois anos para solidificar alguma forma de colaboração. Os dois lados sabem que, se o cimento não tiver endurecido até a próxima eleição presidencial americana, uma eventual vitória de um candidato republicano poderá melar o jogo.

*Publicado na Folha de S.Paulo

 

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