6:47Há algo melhor que a política

por Ivan Schmidt 

A essa altura do campeonato pouca coisa resta a acrescentar sobre o hipotético desfecho da campanha eleitoral, a não ser aguardar até o início da noite de domingo para saber quem será o presidente segundo a ansiada pesquisa de boca de urna, ainda assim com um pé atrás, tendo em vista a série de erros cometidos pelos institutos no primeiro turno.

Entretanto, se há razão aceitável para as explicações de dirigentes dos vários institutos, ela está no fato de que o intervalo entre a liberação dos resultados das últimas enquetes e a decisão do eleitor junto à urna eletrônica, a ninguém é dado perscrutar.

Tanto que os pesquisadores e cientistas políticos admitem que, pela primeira vez na história das eleições presidenciais no país, o presidente eleito terá a vitória definida pelo reduzido percentual de cidadãos ainda indecisos em quem votar. E tanto faz votar nele ou nela, para ir direto ao ponto. Portanto, a eleição de uma ou outro será mesmo uma surpresa.

Mais não digo, mesmo porque o leitor não suporta mais ouvir falar ou ler sobre política. Deixemos a tarefa para os profissionais, que também queimam a mufa em busca de argumentos ou ideias originais. Eu desisto!

Lendo por esses dias a edição brasileira de El País, que meu amigo Walter Schmidt considera um dos melhores jornais do mundo, deparei-me com um artigo escrito por Miqui Otero sobre “os livros que muito poucos conseguem terminar”. Recomendo também o magistral artigo do escritor Mário Vargas Llosa sobre a sempre esfuziante Paris.

Otero cita o escritor inglês Nick Hornby, que no último festival literário de Cheltenham “encorajava as pessoas a queimar em uma fogueira os livros complicados” e a “não insistir nesse romance que se instala na mesinha de cabeceira como um parasita porque seu leitor é incapaz de lê-lo, mas não quer admitir sua derrota”.

Corajoso, o jornalista apresentou uma lista de dez obras universais, relacionando-as entre aquelas que, dificilmente, um leitor consegue chegar à última página. São as seguintes: O arco-íris da gravidade (Thomas Pynchon), Crime e castigo (Fiodor Dostoievski), Guerra e paz (Leon Tolstoi), Orgulho e preconceito (Jane Austen), Vida e opiniões do cavalheiro Tristram Shandy (Laurence Sterne), A divina comédia (Dante), Moby Dick (Herman Melville), Paradiso (José Lezama Lima), As aventuras do bom soldado Svejk (Jaroslav Hasek)/Dom Quixote de la Mancha (Cervantes) e a Piada infinita (David Forster Wallace).

Desses, o único do qual nunca ouvira falar é o livro de Wallace, o último da lista. Modéstia a parte, de uma relação de dez livros apenas um desconhecido, é uma média excelente. Mas, quanto à leitura completa, confirmando a perspicácia de Miqui Otero, somente Crime e castigo (mais de uma vez), Moby Dick e As aventuras do bom soldado Svejk, que talvez pela hilaridade despertada no leitor, teve o privilégio de figurar ao lado de Dom Quixote, conferindo a Jaroslav Hasek (o romance está sendo reeditado no Brasil), uma dimensão literária mais do que merecida.

A meu juízo, a discordância é total e irrestrita no que tange à inclusão do magnífico romance de Hasek em quaisquer listas de livros impossíveis de serem lidos até o final. Muito ao contrário, é uma das maiores obras da literatura mundial. A primeira edição em português, com o substantivo “bravo” em lugar de “bom”, foi lançada pela Editora Civilização Brasileira, nos anos 60 do século passado. Para conferir, imagino que o interessado deverá ter muita sorte ao garimpar o livro nos melhores sebos, ou aguardar o aparecimento da nova tradução.

Lidas apenas as primeiras páginas ou no máximo até a metade, estão O arco-íris da gravidade, a obra prima de Pynchon, de resto um escritor tão avesso à mídia quanto foi J.D. Salinger (O apanhador em campo de centeio e outros), além de Paradiso e Dom Quixote. Jamais abertos e perdidos em algum canto pouco frequentado quedam os empoeirados Orgulho e preconceito e A vida e opiniões do cavalheiro Tristram Shandy. Guerra e paz sequer figura em meio ao caos relativamente bem organizado de minhas estantes.

Uma coisa puxa a outra. Ao escrever, lembrei-me de um ensaio da romancista Nélida Piñon, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL), baseado em sua experiência de leitora. O ensaio está em Aprendiz de Homero (Record, RJ, 2008), no qual para começo de conversa informa que “já na infância, tinha apetite pelas palavras, escritas ou faladas”. Eu idem. Nos tempos do antigo ginásio eu editava um jornalzinho manuscrito a lápis, escrito no papel manilha alisado que embrulhava as coisas que minha mãe mandava buscar no armazém do Dante Filomeno, figura popular na bucólica São José, quase uma extensão de Florianópolis.

Nélida escreveu que em “consequência do amor pelos livros, e já pondo em prática o confessado desejo de vir a ser um dia escritora, eu costurava algumas folhas até formar um caderno e preenchia-as com relatos curtos e desenhos de indigente plasticidade”.  Mais humilde, eu achava de bom tamanho se chegasse a ser um modesto jornalista, mesmo tendo publicado três livrecos.

Ao longo da adolescência, outra coincidência com Nélida e tantos outros garotos e garotas mundo afora. Encontrei Tarzan, o célebre personagem de Edgar Burroughs, como dizia ela “o homem macaco que, além de superar obstáculos, instava-me a crer no ímpeto da imaginação que os livros pregavam”.

Nesse tempo também devorava os gibis com as histórias do Fantasma Voador, Capitão América, Superman e Nick Holmes – entre outros – até descobrir as Edições Maravilhosas, da Editora Brasil-América (Ebal), se não me falha a memória (mestre Célio Heitor, essa é pra vosmecê!) que resumia em quadrinhos os romances mais afamados. Nunca esqueci a leitura de Terras do sem fim, do Jorge Amado, que só mais tarde conheci na íntegra na edição da Livraria Martins.

Depois viria a fase da revista X 9, que minha mãe não via com bons olhos e eu escondia embaixo da cama, até começar com os romances de aventura das coleções Paratodos e Terramarear, da antiga Companhia Editora Nacional, na qual também descobri a monumental Brasiliana. Tarzan estava lá, mas são igualmente inesquecíveis o Capitão Blood, as Vinte mil léguas submarinas e Beau Gest, entre tantos. Folhas adiante, mais encanto e revelações com o Clube do Livro e a Coleção Saraiva.

O imortal Sherlock Holmes não demorou a chegar ao alcance de meus olhos ávidos por novidades, por meio dos livrinhos de capa vermelha da Editora Melhoramentos.

Depois, foi o encantamento com os magos da ficção norte-americana (brasileiros e europeus viriam mais tarde), dentre os quais a paixão imediata foi por Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald e John Steinbeck. Outros viriam em seguida porque a busca e as novas descobertas não cessavam: Edgar Alan Poe, Erskine Caldwell, Mary McCarthy, Norman Mailer, Truman Capote… Os europeus muito bem recebidos foram Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Somerset Maughan, Graham Greene, Anthony Burgess, Kingsley Amis, V. S. Naipaul e companhia.

E os brasileiros? Machado de Assis, José de Alencar, Oswald de Andrade, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, João Guimarães Rosa, Lúcio Cardoso, J. J. Veiga, Hermilo Borba Filho, Osman Lins, Luiz Antonio Assis Brasil, Salim Miguel, Adonias Filho, João Ubaldo Ribeiro, Ignácio de Loyola Brandão, Clarice Lispector, Nélida Piñon, Ana Miranda… Entretanto, dos contemporâneos li pouquíssimos, entre os quais Domingos Pelegrini Neto e Cristóvão Tezza, por sinal, paranaenses. Leminski ocupa um lugar separado nesse pequeno panteão.

No primeiro turno (lá vem política de novo!) as filas estavam imensas e a demora foi grande em todos os locais de votação. Na dúvida, leve um livro e se delicie com ele até o momento de digitar o número do seu candidato. Boa sorte Brasil!

2 ideias sobre “Há algo melhor que a política

  1. Ivan Schmidt

    Parece que foi Machado de Assis quem comparou a memória a um beco escuro onde o esquecimento nos prega peças desagradáveis.
    Como omiti uma penca de ilustres escritores que foram meus companheiros de intenso prazer e emoção, peço vênia para lembrar Franz Kafka, Elias Canetti, Ítalo Calvino, Jorge Luis Borges, Bioy Casares, Julio Cortazar, Roberto Arlt, Alejo Carpentier, Reinaldo Arenas, Saul Bellow, Philip Roth, Paul Auster, Ian McEwan, Martin Amis, Imré Kertez, Roberto Bolaño e Ricardo Piglia. E, ainda os brasileiros Autran Dourado, Jamil Snege e Milton Hatoum…

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