por Célio Heitor Guimarães
Robert de Niro, o grande ator, costuma afirmar que “não há nada mais irônico e contraditório do que a vida”. É um fato. Mas há outros bastante significativos que também merecem registro. E não provocam riso, porque são tristes e lamentáveis, para se dizer o mínimo.
Na quinta-feira passada, o excelso Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte de Justiça do país, decidiu, por unanimidade de votos, que é proibido ao Judiciário aumentar vencimento de servidor público com base na isonomia – “princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei e que não deve haver distinção entre os que se encontrem na mesma situação”. Só por negar abertamente esse princípio constitucional, o STF já estaria se complicando.
Mas ao justificar a aprovação da Súmula Vinculante nº 88, os supremos magistrados dizem estar dando cumprimento à outra súmula da Corte, a 339, de acordo com a qual a Justiça não tem função legislativa. E mais: segundo um ministro do STF, conforme registro do jornal Folha de S. Paulo, “seria uma forma de combater a cultura de remediar defasagens salariais por meio de decisões judiciais”.
Pois é exatamente aí que reside a ironia. Em meados de setembro último, o ministro Luiz Fux, do mesmo Supremo Tribunal Federal, determinou o pagamento de auxílio-moradia a juízes federais, no mesmo valor já oferecido a ministros do STF, isto é, de R$ 4.377,73, ainda que nenhum ministro o receba por dispõem de moradias oficiais.
Mais: ao justificar a medida, Fux explicou que o auxílio-moradia é pago a juízes estaduais e a membros do Ministério Público, carreiras equivalentes à dos juízes federais. Também lembrou que o CNJ concede o auxílio-moradia e conselheiros e magistrados do órgão. E que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) prevê o pagamento de auxílio-moradia a todos os magistrados que não têm residência oficial à sua disposição.
“Em razão da simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, que são estruturadas com um eminente caráter nacional, defiro a tutela antecipada requerida, a fim de que todos os juízes federais brasileiros tenham o direito de receber a parcela de caráter indenizatório”, sentenciou Fux.
“Simetria”, que, consoante os dicionários, é “qualidade de simétrico” ou “correspondência em tamanho, forma ou arranjo, de partes em lados opostos de um plano, seta ou ponto” (Pequeno Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa), é o nome dado pelos eminentes homens da capa preta à popular isonomia incluída na Constituição Federal do Brasil como princípio fundamental garantido a todo cidadão – e cuja aplicação agora passou a ser proibida aos servidores públicos sem divisas.
Ademais, vale lembrar o juiz Celso Fernando Karsburg, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que abriu mão do benefício do auxílio-moradia por considerar o pagamento “antiético” e “imoral” e que, em entrevista a Amanda Audi, da Gazeta do Povo, confirmou ser o auxílio-moradia “uma resposta à falta de reposição salarial anual aos magistrados”. Em outras palavras: uma maneira de “remediar defasagens salariais”. Quer dizer, um “aumento de vencimento”, vedado pela recente decisão da Corte superior de Brasília…
Não é irônica esta vida, excelências?! Barbosa, onde andas?!