Carolina Vigna
por Rogério Pereira
Às vezes, a paz dá lugar à guerra. O silêncio é estraçalhado por um grito. Nada assustador. Eles entram no carro a galope. Arremessam as mochilas feito granadas no território inimigo. Atiram os corpos magros no banco traseiro. Exigem rapidez no caminho até em casa. O trânsito é lento no fim de tarde. Todos os pais surgem de algum lugar para buscar os filhos na escola. Pais e filhos causam congestionamentos. Eu sou um pai. As duas crianças magras e muito brancas no banco traseiro são os filhos. Ela tem oito anos. Ele acaba de completar cinco.
Quase sempre, há uma brincadeira no trajeto. Temos algumas estratégias para tentar enganar a aflição da espera na lerdeza dos carros. Brincadeiras como masculino e feminino, as capitais dos países, o que é o que é, piadas. Coisas bestas inventadas no cotidiano que nos envolve.
Mas o carro, às vezes, encolhe. Transforma-se num espaço reduzido para dois seres irritadiços. As ofensas verbais são risíveis, engraçadas, ingênuas. Meninas são feias. Meninos são insuportáveis. A voz esganiçada de ambos ganha volume. Logo, um arranhão é revidado com um tapa. O choro aumenta a algazarra do trânsito. Os dois choram. Eu tento colocar ordem na batalha infantil. Sem muito sucesso. Cada um para um canto do banco. Bem longe. A uma distância segura das garras afiadas do adversário. Dois pequenos animais bufando à espera de um carinho. Logo, estarão se agarrando, rindo, se amando como sempre.
Naquela tarde, ele passou dos limites. Ela, sem esconder a raiva represada, chamou-me a pedir um socorro qualquer.
— Papai. Papai.
— O quê, filha?
— Sabe de uma coisa, papai?
— …
— A minha vida piorou muito desde a chegada deste menino lá em casa.
Quando virei para trás, ele desenhava com o dedo um boneco no vidro do carro. Ela, de braços cruzados, esperava minhas considerações sobre sua reclamação.
Diante de nós o semáforo estava verde. No entanto, nenhum carro se mexia.
*Publicado no site Vida Breve (www.vidabreve.com)