7:05E a melancia azedou

Por Ivan Schmidt

A história mostra que nos últimos 60 anos (1954-2014) aconteceu de tudo em torno da presidência da República, incluindo dois longos períodos ditatoriais (1930-1945 com Getúlio Vargas e 1964-1981 com os cinco generais), restringindo a meros 24 anos a fruição da democracia plena no país no referido espaço de tempo.

Resumo da ópera: o Brasil teve exatamente 12 anos de arrocho a mais que a liberdade de escolha dos dirigentes nacionais. Apenas para raciocinar em termos de hipótese (o que vale pouco), nesses 12 anos os brasileiros poderiam ter elegido três presidentes, cada um com mandato de quatro anos, ou seja, os que exerceriam o poder depois de Castelo Branco, caso o primeiro presidente do golpe civil-militar fosse respeitado em sua intenção de concluir o mandato de João Goulart, como prometera, convocando novas eleições em 1965.

Aliás, para essas eleições já havia dois candidatos lançados pelos respectivos partidos, Juscelino Kubitschek (PSD) e Carlos Lacerda (UDN), ambos apoiadores do golpe, mas pouco depois em rota de colisão com o pensamento vigorante na caserna, de não abrir mão do autoritarismo. Havia também outros nomes que certamente se lançariam à disputa (continua a hipótese), mesmo porque eram figuras manjadas das campanhas anteriores: Ademar de Barros, Plínio Salgado, Eduardo Gomes e, quem sabe o próprio Henrique Lott, derrotado por Jânio Quadros em 1960, estariam entre eles.

Com o suicídio de Getúlio em agosto de 1954, assumiu o vice-presidente João Café Filho, que logo renunciou alegando doença cardíaca grave. A crise institucional se resolveu com a posse do senador Nereu Ramos, então presidente do Senado da República, que levou a administração até a eleição de JK. Nereu pouco fez, mas garantiu um município com seu nome em Santa Catarina, seu estado natal, morrendo em acidente aéreo nas proximidades de São José dos Pinhais, no final dos anos 50.

João Goulart, vice de Jânio, tornou-se presidente com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, agravando uma crise que parecia não ter fim, responsável pelo acirramento dos ânimos nos principais quartéis-generais do país e a fatalidade do golpe de mão contra a democracia na madrugada de 1º de abril de 1964.

Uma quina de generais e exatos 21 anos depois, com a queda inglória do regime militar, o colégio eleitoral elegeria por maioria absoluta de votos o mineiro Tancredo Neves, veterano do governo constitucional de Vargas e, desde então partícipe de todos os movimentos políticos na luta pela redemocratização. A derrota no colégio eleitoral foi imposta ao deputado federal Paulo Maluf, candidato da ex-Arena, que levou a candidatura no peito e na raça desbancando a autoridade já desgastada dos chefes militares que batiam o coturno pelo coronel Mário Andreazza.

Um pormenor esquizofrênico: só agora o indigitado político paulista apelidado de “Senhor Propina” pela ONG suíça Transparência Internacional, teve a candidatura a deputado federal indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa. Mas, a cara de pau de Maluf resiste a qualquer borrasca e ele prossegue em campanha afrontando o Judiciário. E se refere aos integrantes da ONG como “picaretas suíços” e, mais, exaltando as virtudes de Dilma Rousseff e do PT, segundo ele “partido que se tornou de centro em centro-direita”, arrematando com a candura que lhe é peculiar: “Eu me sinto comunista perto do PT de hoje”.

Voltando a Tancredo, que foi para o hospital no dia da posse na presidência, o vice foi novamente convocado e José Sarney assumiu o posto, que alguns constitucionalistas diziam pertencer de fato e de direito a Ulysses Guimarães, então presidente do Congresso Nacional.

Sarney foi o presidente no período em que a Assembleia Nacional Constituinte escreveu e aprovou a Constituição de 1988, embora tenha inscrito na coluna das perdas o episódio da negociação (distribuição de rádios e televisões) em troca da aprovação do quinto ano de mandato. Também foi o magistrado da primeira eleição presidencial por voto direto depois do afastamento dos generais. Entretanto, o país seguiu sua sina e elegeu o ex-governador de Alagoas, Fernando Collor, nome escolhido pela poderosa Rede Globo, tendo em vista os calafrios do pajé Roberto Marinho a cada vez que ouvia nos nomes de Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva, que anos mais tarde chorou lágrimas de crocodilo sobre seu caixão.

Collor foi afastado da presidência por impeachment, após rumorosa CPMI, na qual os parlamentares indicados pelo PT (José Dirceu e José Genoino, especialmente) tiveram papel fundamental na sarabanda de acusações e documentos probatórios dos desvios cometidos pelo presidente. Collor, hoje senador da base do governo, foi substituído por Itamar Franco — olha o vice aí gente! — que armou um governo de coalizão responsável pelo Plano Real, garantindo a eleição de Fernando Henrique Cardoso.

Seguiram-se os dois mandatos de Lula e o atual de Dilma, e exatos 60 anos decorridos da morte de Getúlio, ainda na fase inicial da campanha da sétima eleição seguida para a presidência ocorreu o inesperado, também com fortíssima coloração de tragédia. O candidato do PSB, ex-ministro e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, morreu na queda do Cessna que o conduzia junto com assessores do Rio de Janeiro para Santos, no litoral paulista.

A candidata a vice-presidente, Marina Silva, assumiu o lugar de Eduardo e na primeira pesquisa de intenções de voto realizada nem bem o corpo do neto de Miguel Arraes fora depositado ao lado do avô, a antiga líder de seringalistas do Acre já aparecia em situação de empate técnico com Dilma Rousseff, rebaixando o senador Aécio Neves (PSDB) para o terceiro lugar. E as projeções para segundo turno, desde então, mostram que Marina venceria Dilma.

Pesquisa Datafolha publicada nessa quinta-feira (4) mostra empate técnico entre Dilma (35%) e Marina (34%), restando a Aécio 14% das intenções. No segundo turno Marina teria 48% dos votos e Dilma 41%. Também o Ibope divulgou os números de sua pesquisa caracterizando empate técnico: Dilma tem 37% e Marina 33%, e Aécio 15%. No segundo turno, se as preferências do eleitorado não mudarem Marina vence por 49% a 39%.

Adjetivada como furacão eleitoral pela revista CartaCapital, “Marina roubou votos de Aécio, Dilma e do Pastor Everaldo, além de tirar da letargia e do desencanto uma porção do eleitorado até então disposta a votar em branco, nulo, ou a não comparecer às urnas”, antecipando a estratégia dos principais adversários na tentativa de desconstruir a figura carismática de Marina. Aécio passou a dizer que a maior dificuldade de Marina é a inexperiência administrativa.

Dilma foi mais sarcástica ao comparar a ex-ministra do governo Lula com Jânio, que desertou da presidência e Collor, alijado pelo processo de impeachment no qual o PT exibiu a sanha vingativa. Hoje Collor está ao lado de Maluf, Renan Calheiros, Michel Temer, Ciro Gomes, Carlos Lupi e tantos outros luminares da política brasileira, no papel de entusiasmado apologista do direitismo petista.

“Se quiserem conter o fenômeno, Dilma e Aécio terão de assumir o ônus de desconstruir a imagem da adversária sem provocar a antipatia de quem troca o ‘debate de ideias’ pelo confronto direto. Tanto mais no caso de Marina, esperta na exploração da imagem de mulher frágil e cordata”, escreveu o repórter Rodrigo Martins na última edição da citada revista, reconhecendo que ela “tem uma capacidade maior de agregar votos. Pode atrair votos da direita, esquerda, petistas descontentes com o governo, antipetistas, setores evangélicos. É uma adversária muito competitiva”.

O Datafolha ouviu 10.054 eleitores e o Ibope, 2.506, em municípios de todas as regiões do Brasil. Esses cidadãos ofereceram uma amostra (o naco de melancia) sugerindo a petistas e tucanos que para eles a fruta não fará bem.

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