13:33Neo-o-quê?

NEOCLASSICO

por Yuri Vasconcelos Silva*

Passear por alguns bairros de Curitiba nos faz voltar ao passado. Edifícios neoclássicos, protegidos por gradis negros e dourados, com um promenade guarnecido de belos jardins simétricos. Para alguns, no entanto, esta viagem no tempo se revela um pesadelo anacrônico.

Quando verificamos que o termo Neoclássico está bem definido e localizado nas obras edificadas a partir do Iluminismo francês, há mais de dois séculos, localizamos a ponta deste fio num bolo emaranhado de desinformação. Por exemplo: ao observarmos o capitólio americano no noticiário, vemos um autêntico Neoclássico. Portanto, o que o mercado vende como neoclássico é, na verdade, alguma outra coisa.

Puxamos um pouco mais este fio e descobrimos que os edifícios de “estilo neoclássico” o são apenas na fachada, pois seu sistema construtivo, tecnologia, sistemas de alarme, elétrico, lógica e tudo aquilo que te faz seguro e quentinho em seu apartamento, são de última geração. Muitas vezes, uma equipe de arquitetos projeta a torre e outra veste o edifício com um projeto de fachada. Existem escritórios especializados nesta roupagem, o que acaba produzindo distorções estranhas entre o que é a torre de fato e o que aparente ser por fora.

O fio segue desembaraçando e nos revela que muitas vezes as fachadas misturam elementos de várias ordens clássicas, arcos, mansardas, tudo junto e bem misturado num caldeirão infernal. Aproxime-se de uma destas torres e toque em seus adornos. Eles são frágeis como isopor. Na verdade, a maior parte das cornijas, frisos e colunatas são pré-moldados de poliestireno colados à fachada. Os edifícios são como um grande bolo com decoração em isopor. Mas o detalhe que faria Vitrúvio – o primeiro homem que escreveu um tratado sobre arquitetura – e Vilanova Artigas se revirarem em sincronia em suas tumbas é o simples fato de que as construções Neoclássicas e Clássicas eram baixas, afinal, não existia tecnologia para arranharem o céu, além de serem edifícios exclusivamente públicos ou governamentais. Um neoclássico residencial com trinta pavimentos é invenção de nosso tempo.

O fio desenrolado chega ao final com uma constatação histórica e um pouco macabra. A arquitetura neoclássica foi a escolha predileta de ditadores fascistas. Adolf Hitler e seu arquiteto Albert Speer tinham planos ambiciosos para Berlim e Europa dominada, incluindo a destruição do que era considerado degenerado, para dar lugar a imensos edifícios de inspiração neoclássica (veja o excelente documentário “Arquitetura da Destruição”). Benito Mussolini e seu arquiteto Marcello Piacentini sonhavam com o retorno do grande Império Romano (Clássico), inclusive na arquitetura proposta durante o fascismo italiano.

O marketing imobiliário vende de forma brilhante esta fraude, quase sempre em obras de altíssimo padrão, onde os compradores têm acesso ao conhecimento e história. Ainda que sejam edifícios privados, sendo sagrado o direito de fazer o que bem entender com o dinheiro, imagina-se como estarão estes edifícios daqui a cinquenta anos, com suas maquiagens derretidas. Curitiba será, então, uma cidade repleta de senhoras desfiguradas e sem personalidade.

*Arquiteto

4 ideias sobre “Neo-o-quê?

  1. Manuela

    Parabéns Yuri! Pelo texto perfeito, lúcido e consistente. Você disse tudo. Realmente o neoclássico de hoje é uma verdadeira fraude.

  2. antonio carlos

    As incorporadoras, construtoras e imobiliárias adoram por nomes pomposos que, muitas vezes elas nem sabem de onde vem. Se é Clássico, Neoclássico, Rococó, Art Deco não importa, o que importa é o nome que, muitas vezes o comprador otário nem sabe pronunciar

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