por Sérgio Brandão
Os meus encantos com o futebol chegaram em 1966, com a Copa. Veio só com som. Era a narração nada confiável que saía de dentro do rádio, colocado em cima da capota de um Fusca, sintonizado em ondas curtas numa emissora qualquer.
O Brasil era roubado e nada podia fazer. Na minha cabeça e de meia dúzia de crianças que ouviam aquilo, aqueles absurdos eram incompreensíveis. Como podiam nos roubar assim, tão descaradamente como dizia o locutor? Aquele 15 de Julho de 1966 ficou para sempre. Perdemos para a Hungria por 3×1, placar que se repetiria dias depois diante de Portugal, na memorável partida de Eusébio. Nascia comigo e com o resto do país o complexo de vira-latas descoberto antes de 58 por Nelson Rodrigues, mas que voltou com tudo depois de duas conquistas. O sentimento de inferioridade diante de uma Europa forte ainda tinha que tolerar a roubalheira no futebol. Aquilo doía.
Em 1970, o mundo acompanharia a primeira Copa do Mundo pela tevê. Todos falavam sobre isso. Imaginei que desta vez seria mais difícil nos roubarem. Mas mesmo com a imagem, ainda havia alguma reserva. É que ninguém sabia dizer com certeza se o homem tinha mesmo descido na Lua, um ano antes. Falavam em trucagem. Por que não podiam, então, inventar uma partida de futebol, como faziam no rádio? Não foi o que aconteceu. A partir da estreia contra a Tchecoslováquia, o futebol ganhou som e imagem. A emoção de Geraldo José Almeida e de João Saldanha colocavam a alma brasileira no futebol. Aquilo tinha som quase musical.
O tricampeonato veio com o que muitos até hoje chamam de a melhor seleção de todos os tempos.
Pronto, o róulo parecia colar no caminho do futebol brasileiro que começou em 58, se confirmou em 62 e acabou em 70. Aquilo levava embora de vez o complexo de vira-latas.
De lá para cá, outras seleções se aproximaram da de 70, mas nem foram campeãs e nem conseguiram o brilho daquela que teve vários comandantes. E nem poderia ser diferente. É que além do talento dos que davam o espetáculo, tinha a magia do rádio que acabou sendo um símbolo forte das copas até o final dos anos 60. A tevê fez um outro caminho, encantando e colocando a alma brasileira na primeira transmissão. Tudo isso parecia fazer o futebol valer o que eles jogavam. A gente pagava torcendo com a mesma qualidade. Fomos aplicados na arquibancada.
Foi assim que aprendi a gostar da brincadeira. Era delicioso depois das partidas ouvir os comentários de quem entendia. Era uma alegria diferente que só vi no futebol. Parecia igualar crianças a adultos no conhecimento do que acontecia nos gramados pelo país. Deixava todos iguais.
Mais tarde comecei a associar futebol com domingo, domingo com o último dia do fim de semana, véspera de segunda-feira, dia de escola. A segunda só seria pior quando meu time perdia. Nascia um torcedor de clube, com carteirinha e tudo.
No inverno o futebol ganhava cheiro de mexirica. Eram vendidas em redinhas de plástico. Fizeram o bolso de uma grande parte dos ambulantes nos estádios do sul.
Outras Copas vieram e nelas me formei em futebol. Tenho calo nos pés e no cérebro de tanto futebol que joguei e de tanto que vi. Tudo por conta daquele período. Até hoje tentando recriar imagens daquela época que não consigo parar de pensar. Tudo aquilo serviu de pedra fundamental do futebol em minha vida.
Ainda sopra no ouvido o chiado daquela primeira transmissão ouvida pelo rádio, colocado em cima da capota do fusca. Da imagem ainda borrada da Copa de 70 pela tevê.
As Copas de 82 e 86 me levaram os últimos trocados. Foi o melhor que o futebol brasileiro conseguiu depois daquilo tudo, mas marcou pela geração que nada ganhou.
Ainda vi o Brasil tetra e penta e quem sabe veja o hexa, mas sem aquela magia inocente.