16:29O mesmo banco

por Nilson Monteiro

Converso com esse banco, solitário e em meio a pétalas despencadas sobre o fundo e o mundo. E lembro de sua petulância: vão sentar-se ou querem que mude de lugar?

Parecia danado pra ouvir, o curioso, conversas desfiadas sobre sua madeira dura. Nem reclamava se a procura era por sombra ou pelo sol tímido desse canto do mundo. Mantinha o silêncio curioso de quem não quer perder nenhuma palavra. Talvez preferisse o canto irrequieto dos sábias. Mas, como nada dizia…

Há flores sobre ele e esparramadas pelo chão como poemas de Lorca. Em sua presença, falamos de Saramago, Hemingway, Drummond, Pessoa, Guimarães Rosa, Neruda, e mais comuns, mortais, Roberto Gomes (especialmente), Tezza, Pellegrini, Itamar Vieira, Leminski, quem mais? Não via graça alguma em Dalton Trevisan, repetia.

Entre suas costelas brancas e silentes, vazavam nossas conversas, desde os gols de Pelé à elegância de Ademir da Guia, a postura de Sócrates, entre outros gênios, aos versos de Manoel de Barros, João Cabral, entre outros gênios.

Nos cobríamos com diferentes bandeiras clubísticas e a proteção familiar e dos amigos, que ninguém faz verão sozinho. Muito menos inverno. O velho banco, já com várias peles, sempre brancas, e pés de ferro, inertes, concordava. Repito: em silêncio.

Sobrava espaço para falarmos mal de Fulano, Sicrano e Beltrano ou falarmos bem de Beltrano, Sicrano e Fulano. A proporção entre os dois era quase (só quase) a mesma. E a unanimidade de opiniões na risca da igualdade. Mas, em uma beirada de banco sempre sobra pra mais um. Fosse quem viesse, mesmo discordante ou avesso às nossas posições, especialmente políticas.

Diariamente ou quase (dependendo de nossa saúde e disposição), o enxergávamos de longe, pelas janelas do nosso prédio, e sua solidão era um convite a descermos as escadas ou tomarmos o elevador, apressados, para dividir com ele nossas conversas literárias, econômicas, políticas, gastronômicas ou fuxiqueiras das mais reles possíveis. E ele, impassível, posudo. Às vezes, proseávamos com ele. E ele, silente. Aliás, como convém a um banco que oferece o dorso para sentarmos.

Quando o sol já escorregava fora ou o vento da tarde soprava menos convidativo com seus ruídos gelados, era hora de abandonarmos sua mudez cúmplice, que não mudava de lugar nem nessa hora com prazo de validade vencendo, a noite abraçando o pátio.

Hoje, sento-me nele, solitário, e sinto saudades da outra voz, do outro ser, do amigo, de suas opiniões de sua maturidade humana, do contrapeso ao silêncio. Ainda bem que sua alma e nossas conversas pairam sobre as ripas brancas do banco e primaveras rosas esparramadas pelo chão.

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Uma ideia sobre “O mesmo banco

  1. Nilson Monteiro

    Estar em seu blog é uma alegria, Zé Beto. Há elegância, sensibilizado, informação, Vida.

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