por Luiz Felipe Pondé, na FSP
Escolas públicas ninam os alunos por razões ideológicas, e o marketing é a viga mestra da educação nas escolas privadas
Haveria algum ganho na experiencia de humilhação? Difícil dizer. Na academia, durante muito tempo, foi comum se assumir que humilhar os alunos e orientandos seria uma forma de formá-los para a vida do conhecimento. Esta formação começaria de fato quando você perceberia o quanto insignificante você é diante do que já foi produzido em termos de conhecimento muito antes de você.
Lembro-me dos primeiros dias da graduação de filosofia na USP, nos anos 1980, quando um dos grandes professores que tive –todos eles foram grandes professores– nos disse de forma direta: não pensem que vocês estão aqui para ter opinião; qualquer coisa que você pense, muitas pessoas já pensaram, e melhor, antes de você, portanto, calem a boca e leiam os textos. A famosa conversão aos textos. O professor tinha razão.
Difícil imaginar falas como essas hoje quando a universidade caiu para a condição de “casa do pais dos alunos” por conta da necessidade de os fidelizar num mundo competitivo com cada vez menos jovens. E as públicas também ninam os alunos por razões ideológicas. O marketing é a viga mestra da educação nas escolas privadas hoje. E a ideologia e os convescotes políticos nas públicas. Muitos dos professores que tive hoje seriam processados por pais preocupados em manter seus filhos com aulas convertidas em canções de ninar.
A grande humilhação hoje é a humilhação do conhecimento, e não uma humilhação como parte de uma iniciação ao conhecimento consistente e sistemático. Humilhação no sentido do senso comum mesmo.
O conhecimento hoje converteu-se em ferramenta da barbárie das vendas. As pessoas só querem fórmulas de sucesso, de felicidade, de controle sobre tudo. Imagino um futuro em que todos os cursos de ciências humanas terão dois tipos de modelo. Ou se converterão em igrejas radicalizadas a esquerda —já estão quase lá—, perseguindo colegas professores e alunos que não rezem na cartilha do consórcio ideológico. Ou terão se transformado em departamentos de marketing, conteúdos motivacionais e autoajuda.
No primeiro caso, o discurso será, como já é, mas o será de forma mais evidente e descarada, a universidade em prol do combate à desigualdade social e de gênero, ao aquecimento global e em defesa das minorias “subalternizadas”. “Morte a quem não nos acompanhar!”
No segundo caso, aparentemente à direita, mas inteiramente integrado ao primeiro caso, como já o é, o discurso será de emancipação do indivíduo, direito a realização de todos os seus desejos e da AI —anote aí no seu caderno para dicas de sucesso profissional: é mais chique falar “ei-ai”, como em inglês, do que “ih-ah”, como em português— a serviço de nossos delírios de saúde, longevidade e ganhos financeiros. Logo logo, suas fezes e vômito serão commodities. Uma das marcas da psicose de mercado em que vivemos é que tudo deve ser monetizável.
Uma humilhação sistemática. Provavelmente, aqueles que mais percebem essa humilhação não existirão mais ou estarão já institucionalmente neutralizados.
Um dos efeitos desse processo é a transformação da atual democracia num regime cada vez mais autoritário, ainda que falando o tempo todo em “defesa da democracia e do estado de direito”. A grande diferença entre os idiotas dos bolsonaristas e esse mundo a vir é que os agentes da dissolução da democracia tal como conhecemos virão das hordas acadêmicas, do marketing, das redações da mídia e do poder judiciário.
Os reacionários tentam destruir a democracia com planos decadentes, cafonas e estúpidos, arrombando a porta dos fundos. Os progressistas o farão pela entrada social e com palmas emocionadas dos bonitinhos e inteligentinhos, em nome do bem social e político.
Um dos modos dessa humilhação do conhecimento virá pelas mãos dos idiotas do progresso. Aquele tipo de pessoa que desfila pelo mundo desde o século 19 e que agora tomou o poder por completo. Mede-se se seu coração está do lado certo ou não –como se fala no judaísmo– se você se sente mal ou não diante de um idiota do progresso.
Para além do fato inegável dos ganhos em ciência e tecnologia, o idiota do progresso se divide em duas categorias. O primeiro é aquele que vende avanços mirabolantes das ciências e tecnologia como algo já à venda na prateleira do outlet. O segundo é o que paga caro por essas mentiras. Qual tipo você é?
Suspeito que esse segundo tipo paga por essas mentiras porque, em tendo dinheiro para fazê-lo, imagina que fará parte de um grupo seleto de visionários que estará na nave espacial do Elon Musk quando chegar a hora de ir passar férias em Marte.